sábado, 26 de janeiro de 2008

Horas de Saudade - Castro Alves



Tudo vem me lembrar que tu fugiste,

Tudo que me rodeia de ti fala.

Inda a almofada, em que pousaste a fronte

O teu perfume predileto exala

No piano saudoso, à tua espera,

Dormem sono de morte as harmonias.

E a valsa entreaberta mostra a frase

A doce frase qu'inda há pouco lias.

As horas passam longas, sonolentas...

Desce a tarde no carro vaporoso...

D'Ave-Maria o sino, que soluça,

É por ti que soluça mais queixoso.

E não vens te sentar perto, bem perto

Nem derramas ao vento da tardinha,

A caçoula de notas rutilantes

Que tua alma entornava sobre a minha.

E, quando uma tristeza irresistível

Mais fundo cava-me um abismo n'alma,

Como a harpa de Davi teu riso santo

Meu acerbo sofrer já não acalma.

É que tudo me lembra que fugiste.T

udo que me rodeia de ti fala...

Como o cristal da essência do oriente

Mesmo vazio a sândalo trescala.

No ramo curvo o ninho abandonado

Relembra o pipilar do passarinho.

Foi-se a festa de amores e de afagos...

Eras — ave do céu... minh'alma — o ninho!

Por onde trilhas — um perfume expande-se

Há ritmo e cadência no teu passo!

És como a estrela, que transpondo as sombras,

Deixa um rastro de luz no azul do espaço...

E teu rastro de amor guarda minh'alma,

Estrela que fugiste aos meus anelos!

Que levaste-me a vida entrelaçada

Na sombra sideral de teus cabelos!...

Um comentário:

Anônimo disse...

"Que saudade!"