sexta-feira, 29 de agosto de 2008

Tu - Aureliano Lessa


Teus olhos são como a noite
Trevas e luz;
Ó anjo, o céu em teus olhos
Se reproduz!
.
Tu'alma inda não conhece
Teu coração;
Rubor que te acende as faces
É sem razão.
.
Inocente, quem gozara
Contigo o céu!
Quem dos amores contigo
Rasgara o véu!
.
Quem descerrara teus lábios
Cum doce beijo!...
Dizendo: — amor — e em teus olhos
Via um desejo!
.
Tua face é como aurora
Púrpura e luz!
Ó anjo, a aurora em teu rosto
Se reproduz!
.
Quero viver em teus olhos
Ó inocente!
Quero adorar-te prostrado
Eternamente!
.

quinta-feira, 28 de agosto de 2008

É Verdade - Federico Garcia Lorca



Ai, quanto trabalho me dá
querer-te como eu quero!
.
Por teu amor me dói o ar
o coração
e o chepéu.
.
Quem compraria de mim
este cinteiro que tenho
e esta tristeza de frio
branco, para fazer lenços?
.
Ai, quanto trabalho me dá
querer-te como eu quero!
.

quarta-feira, 27 de agosto de 2008

Anjo! - Casimiro de Abreu



V.
.
Eu era a flor desfolhada
Dos vendavais ao correr;
Tu foste a gota dourada
E o lírio pôde viver.
.
Poeta, dormia pálido
No meu sepulcro, bem só;
Tu disseste – Ergue-te Lázaro! –
E o morto surgiu do pó!
.
Eu era sombrio e triste...
Contente minh’alma é;
Eu duvidava... sorriste,
Já no amar tenho fé.
.
A fronte que ardia em brasas
A seus delírios pôs fim
Sentindo o roçar das asas,
O sopro dum querubim.
.
Um anjo veio e deu vida
Ao peito de amores nu:
Minh’alma agora remida
Adora o anjo – que és tu!
.

terça-feira, 26 de agosto de 2008

Parem - Paulo Leminski


parem
eu confesso
sou poeta
.
cada manhã que nasce
me nasce
uma rosa na face
.
parem
eu confesso
sou poeta
.
só meu amor é meu deus
.
eu sou o seu profeta
.

quarta-feira, 20 de agosto de 2008

Naquela Tarde - Branca de Gonta Colaço



Naquela tarde em que nos encontramos
"para o último adeus" - nas garras frias
do "desgosto sem fim" que sempre achamos
qualquer separação de poucos dias...
.
Tarde de amor em que nos apartamos
presas das mais acerbas nostalgias,
- talvez porque os protestos que trocamos
valessem mil celestes alegrias -,
.
houve um momento - foi um sonho de Arte!
em que um raio de sol veio beijar-te,
com tanto ardor, em rutilâncias tais,
.
(que eu fiquei muda, a olhar, num gozo infindo,
o beijo que te dava o sol tão lindo
Mas o teu rosto alumiava mais . . .
.

terça-feira, 19 de agosto de 2008

Exaltação do Amor - J. G. de Araújo Jorge


Sofro, bem sei... Mas se preciso for
sofrer mais, mal maior, extraordinário,
sofrerei tudo o quanto necessário
para a estrela alcançar... colher a flor...
.
Que seja imenso o sofrimento, e vário!
Que eu tenha que lutar com força e ardor!
Como um louco talvez, ou um visionário
hei de alcançar o amor... com o meu Amor!
.
Nada me impedirá que seja meu
se é fogo que em meu peito se acendeu
e lavra, e cresce, e me consome o Ser...
.
Deus o pôs... Ninguém mais há de dispor!
Se esse amor não puder ser meu viver
há de ser meu para eu morrer de Amor!
.

segunda-feira, 18 de agosto de 2008

Flor de Primavera - Miro Julião


Flor de primavera infantil sem til
Que persiste em desabrochar
Contendo em seu exímio íntimo
A vontade de amar
.
Amar a vida que revida
A ausência do crescer
Que se faz mulher no seu desabrochar
A cada amanhecer
.
Amanhecer de ternura
Que não possui a loucura
De nosso tédio viver
Mais que se faz eterna
No néctar do prazer
.
Prazer de poesias inspiradas
De momentos inesquecíveis
Que proporciastes com teu primor
Na beleza da vida
Naqueles que buscam o amor!
.
Amor de terna paixão
De labores vividos
Nos jardins da vida
Por muitos não cridos
.
Que tudo passa eu sei
Mas na base do meu coração
Quero escrever seu nome
Em versos ou numa canção!
.

sexta-feira, 15 de agosto de 2008

Ser e Não Ser - José Bonifácio de Andrada e Silva



Se te procuro, fujo de avistar-te,
e, se te quero, evito mais querer-te;
desejo quase. . . quase aborrecer-te,
e, se te fujo, estás em toda parte.
.
Distante, corro logo a procurar-te,
e perco a voz e fico mudo, ao ver-te;
se me lembro de ti, tento esquecer-te,
e, se te esqueço, cuido mais amar-te.
.
O pensamento assim partido ao meio,
e o coração assim também partido,
chamo-te e fujo, quero-te e receio!
.
Morto por ti, eu vivo dividido;
entre o meu e o teu ser sinto-me alheio,
e, sem saber de mim, vivo perdido!
.

quarta-feira, 13 de agosto de 2008

Euteamo e Suas Estréias - Elisa Lucinda


Te amo mais uma vez esta noite
talvez nunca tenha cometido “euteamo”
assim tantas seguidas vezes, mal cabendo no fato
e no parco dos dias.
Não importa, importa é a alegria límpida
de poder deslocar o “Eu te amo”
de um único definitivo dia
que parece bastá-lo como juramento
e cuja repetição, parece maculá-lo ou duvidá-lo...
Qual nada!
Pois que o euteamo é da dinâmica dos dias
É do melhoramento do amor
É do avanço dele
É verbo de consistência
É conjugação de alquimia
É do departamento das coisas eternas
que se repetem variadas e iguais todos os dias
na fartura das rotações e seus relógios de colmeias
no ciclo das noites e na eternidade das estréias:
O sol se aurora e se põe com exuberância comum e com
novidade diária
e aí dizemos em espanto bom:
Que dia lindo!
E é! Porque só aquele dia lindo é lindo
como aquele.
Nossa sede, por mais primitiva,
é sempre uma
loucura da falta inédita
até o paraíso da água nova
no deserto da nova goela.
Ela, a água,
a transparente obviedade que
habita nosso corpo
e nos exige reposição cujo modo é o
prazer.
Vê: tudo em nós comemora
o novo milenar de si
todas as horas:
Comer é novidade
Dormir é novidade
Doer é novidade
Sorrir é novidade
Maravilhosa repetitiva verdade que se
expõe em cachos a nosso dispor
variando em sabor e temor e glória
Por isso te amo agora como nunca antes
Porque quando te amei ontem
eu te amava naquele tempo
e sou hoje o gerúndio daquela disposição de verbo
Te amo hoje com você dentro
embora sem você perto
Te amo em viagem
portanto em viragem diferente da que quando
estava perto
Meu certo é alto, forte
Te amo como nunca amei
você longe, meu continente, meu rei
Eu te amo quantas vezes for sentido
e só nesse motivo é que te amarei.
.

terça-feira, 12 de agosto de 2008

Vício - J. G. de Araújo Jorge



Tu nunca bates no meu pensamento à hora de entrar.
Chegas de repente, invades tudo, e é impossível te expulsar
por que então já sou eu que te procuro.
.
Não escolhes momento. É na hora séria ou na hora triste,
na hora romântica, ou na hora de tédio
por mais que me encontres fechado em mim mesmo
entras pelo pensamento, - clara fresta, vulnerável
às lembranças do teu desejo.
.
E quando chegas assim, estremeço até regiões ignoradas
me levanto, e saio, sonâmbulo, a te buscara caminhar a esmo ...
.
Chegas - como uma crise a um asmático, - e então
[preciso de ti como preciso de ar,
e tenho a impressão de que se não te alcanço, se não
[te encontro,vou morrer, miserável, como um transeunte nas ruas,
antes que o socorro chegue para salvá-lo ...
alcançar-te é um suplício ...
.
Teu amor para mim - é humilhante a confissão
-Depois que consegues atingir meu pensamento
tua posse é uma obsessão,
não é amor, é vício ...
.

segunda-feira, 11 de agosto de 2008

Soneto XLIII - Elizabeth Barrett Browning


Amo-te quanto em largo, em alto e profundo
Minha alma alcança quando, transportada,
Sente, alongando os olhos deste mundo,
Os fins do Ser, a Graça entressonhada.
.
Amo-te em cada dia, hora e segundo
À luz do sol, na noite sossegada,
E é tão pura a paixão de que me inundo
Quanto o pudor dos que não pedem nada.
.
Amo-te com o doer das velhas penas;
Com sorrisos, com lágrimas de prece,
E a fé da minha infância, ingênua e forte.
.
Amo-te até nas coisas mais pequenas.
Por toda a vida. E, assim Deus o quiser,
Ainda mais te amarei depois da morte.
.

sábado, 9 de agosto de 2008

Amor Feinho - Adélia Prado


Eu quero amor feinho.
Amor feinho não olha um pro outro.
Uma vez encontrado, é igual fé,
não teologa mais.
Duro de forte, o amor feinho é magro, doido por sexo
e filhos tem os quantos haja.Tudo que não fala, faz.
Planta beijo de três cores ao redor da casa
e saudade roxa e branca,
da comum e da dobrada.
Amor feinho é bom porque não fica velho.
Cuida do essencial; o que brilha nos olhos é o que é:
eu sou homem você é mulher.
Amor feinho não tem ilusão,
o que ele tem é esperança:
eu quero amor feinho.
.

sexta-feira, 8 de agosto de 2008

Os Três Amores - Castro Alves



I
.
Minh’alma é como a fronte sonhadora
Do louco bardo, que Ferrara chora...
Sou Tasso!... a primavera de teus risos
De minha vida as solidões enflora...
Longe de ti eu bebo os teus perfumes,
Sigo na terra de teu passo os lumes...
— Tu és Eleonora...
.
II
.
Meu coração desmaia pensativo,
Cismando em tua rosa predileta.
Sou teu pálido amante vaporoso,
Sou teu Romeu... teu lânguido poeta!...
Sonho-te às vezes virgem... seminua...
Roubo-te um casto beijo à luz da lua...
— E tu és Julieta...
.
III
.
Na volúpia das noites andaluzas
O sangue ardente em minhas veias rola...
Sou D. Juan!... Donzelas amorosas,
Vós conheceis-me os trenos na viola!
Sobre o leito do amor teu seio brilha...
Eu morro, se desfaço-te a mantilha...
Tu és — Júlia, a Espanhola!...
.

terça-feira, 5 de agosto de 2008

Por Camilo Castelo Branco ...



"Não houve nunca um coração tão ambicioso de futuro, tão fervente de poesia, e tão fantástico de conjecturas ! Carlos adorava seriamente aquela mulher ! Como estas adorações se afervoram com tão pouco, não sei eu : mas que o amor é assim, vou eu jurá-lo, e espero que os meus amigos me não deixem mentir."
.
Fonte: CASTELO BRANCO, Camilo. Coisas que só eu sei. Lisboa : Relógio d’Água Editores , 1990. (Clássicos portugueses).
.

segunda-feira, 4 de agosto de 2008

O Amor - Fernando Pessoa



O amor, quando se revela,
Não se sabe revelar.
Sabe bem olhar p'ra ela,
Mas não lhe sabe falar.
.
Quem quer dizer o que sente
Não sabe o que há de *dizer.
Fala: parece que mente
Cala: parece esquecer
.
Ah, mas se ela adivinhasse,
Se pudesse ouvir o olhar,
E se um olhar lhe bastasse
Pr'a saber que a estão a amar!
.
Mas quem sente muito, cala;
Quem quer dizer quanto sente
Fica sem alma nem fala,
Fica só, inteiramente!
.
Mas se isto puder contar-lhe
O que não lhe ouso contar,
Já não terei que falar-lhe
Porque lhe estou a falar...
.

domingo, 3 de agosto de 2008

Boa Noite - Castro Alves


Boa noite, Maria! Eu vou-me embora.
A lua nas janelas bate em cheio...
Boa noite, Maria! É tarde... é tarde...
Não me apertes assim contra teu seio.
.
Boa noite!... E tu dizes – Boa noite.
Mas não digas assim por entre beijos...
Mas não me digas descobrindo o peito,
– Mar de amor onde vagam meus desejos.
.
Julieta do céu! Ouve.. a calhandra
já rumoreja o canto da matina.
Tu dizes que eu menti?... pois foi mentira......
Quem cantou foi teu hálito, divina!
.
Se a estrela-d'alva os derradeiros raios
Derrama nos jardins do Capuleto,
Eu direi, me esquecendo d'alvorada:
"É noite ainda em teu cabelo preto..."
.
É noite ainda! Brilha na cambraia
– Desmanchado o roupão, a espádua nua
–o globo de teu peito entre os arminhos
Como entre as névoas se balouça a lua...
.
É noite, pois! Durmamos, Julieta!
Recende a alcova ao trescalar das flores,
Fechemos sobre nós estas cortinas...
– São as asas do arcanjo dos amores.
.
A frouxa luz da alabastrina lâmpada
Lambe voluptuosa os teus contornos...
Oh! Deixa-me aquecer teus pés divinos
Ao doudo afago de meus lábios mornos.
.
Mulher do meu amor! Quando aos meus beijos
Treme tua alma, como a lira ao vento,
Das teclas de teu seio que harmonias,
Que escalas de suspiros, bebo atento!
.
Ai! Canta a cavatina do delírio,
Ri, suspira, soluça, anseia e chora...
Marion! Marion!... É noite ainda.
Que importa os raios de uma nova aurora?!...
.
Como um negro e sombrio firmamento,
Sobre mim desenrola teu cabelo...
E deixa-me dormir balbuciando:
– Boa noite! – , formosa Consuelo...
.

sexta-feira, 1 de agosto de 2008

O Amor e Seus Contratos - Carlos Drummond de Andrade


Voltas a um mote de Joaquim Francisco Coelho
.
Nos contratos que tu lavras
não vi, Amor, valimento.
Só palavras e palavras
feitas de sonho e de vento
.
.
Tanto nas juras mais vivas
como nos beijos mais longos
em que perduram salivas
de outras paixões ainda ativas,
sopro de angolas e congos,
eu sinto a turva incerteza
(ai, ouro de tredas lavras)
da enovelada surpresa
que põe tanto de estranheza
nos contratos que tu lavras.
.
Por mais que no teu falar
brilhe a promessa incessante
de um afeto a perdurar
até o mundo acabar
e mesmo depois – diamante
de mil prismas incendidos,
amarga-me o pensamento
de serem pactos fingidos
e nos seus subentendidos
não vi, Amor, valimento.
.
Experiências de escrituras,
eu tenho. De que me serve?
Após sofridas leituras
de ementas e de rasuras,
no peito a dúvida ferve,
se nos mais doutos cartórios
de Londres, Londrina, Lavras
para assuntos amatórios,
teus itens são ilusórios,
só palavras e palavras.
.
As nulidades tamanhas
que te invalidam o trato
não sei se provêm de manhas
ou de vistas mais estranhas.
Serão talvez teu retrato
gravado em vento ou em sonho
como aéreo documento
que nunca mais recomponho.

São todas – digo tristonho –
feitas de sonho e de vento.
.