terça-feira, 6 de abril de 2010

Amar - Carlos Drummond de Andrade

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Que pode uma criatura senão,
entre criaturas, amar?
amar e esquecer,
amar e malamar,
amar, desamar, amar?
sempre, e até de olhos vidrados amar?
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Que pode, pergunto, o ser amoroso,
sozinho, em rotação universal, senão
rodar também, e amar?
amar o que o mar traz à praia,
o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha,
é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia?
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Amar solenemente as palmas do deserto,
o que é entrega ou adoração expectante,
e amar o inóspito, o cru,
um vaso sem flor, um chão de ferro,
e o peito inerte, e a rua vista em sonho, e uma ave
de rapina.Este o nosso destino: amor sem conta,
distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas,
doação ilimitada a uma completa ingratidão,
e na concha vazia do amor a procura medrosa,
paciente, de mais e mais amor.
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Amar a nossa falta mesma de amor, e na secura nossa
amar a água implícita, e o beijo tácito, e a sede infinita.
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segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

O lenço dela - Manuel Antônio Álvares de Azevedo



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Quando, a primeira vez, da minha terra

Deixei as noites de amoroso encanto,

A minha doce amante suspirando

Volveu-me os olhos úmidos de pranto.
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Um romance cantou de despedida,

Mas a saudade amortecia o canto!
Lágrimas enxugou nos olhos belos...
E deu-me o lenço que molhava o pranto.
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Quantos anos, contudo, já passaram!
Não olvido porém amor tão santo!

Guardo ainda num cofre perfumado
O lenço dela que molhava o pranto...
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Nunca mais a encontrei na minha vida,
Eu contudo, meu Deus, amava-a tanto!
Oh! quando eu morra estendam no meu rosto
O lenço que eu banhei também de pranto.
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quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Amor de ostra - Affonso Romano de Sant'Anna



Nunca soube como as ostras amam.
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Sei que elas tem um jeito suave de estremecer
diante da vida e da morte.
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Tens um jeito de acomodar teu corpo ao meu
como na concha.
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Eu não sabia como as ostras amam
até que duas pérolas brotaram de teus olhos
no mar de cama.
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quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Amor de fixação - Manuel Alegre



"A experiência é madre das coisas e por ela soubemos radicalmente
a verdade". (Duarte Pacheco Pereira, "Esmeraldo")


Há um caminho marítimo no meu gostar de ti.

Há um porto por achar no verbo amar

há um demandar um longe que é aqui.

E o meu gostar de ti é este mar.
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Há um Duarte Pacheco em eu gostar

de ti. Há um saber pela experiência

o que em muitos é só um efabular.
Que de naugrágios é feita esta ciência
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que é eu gostar de ti como um buscar
as índias que afinal eram aqui.
Ai terras de Aquém-Mar (a-quem-amar)
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naus a voltar no meu gostar de ti:
levai-me ao velho pinho do meu lar
eu o vi longe e nele me perdi.
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terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Poema quase persa - Marina Colasanti



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Vem, amado,
segura minhas ancas nas tuas mãos
enquanto as minhas
domam teus joelhos.
Vem,
abre na minha testa
uma estrada de estrelas
e como um sol nascente de verão
aquece
folha a folha
os meus rosais.
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segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Arrependimento - Olegário Mariano



Deste amor torturado e sem ventura
Resta-me o alívio do arrependimento.
O pouco que me deste de ternura
Não vale o que te dei de encantamento.
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Abri para o teu sonho o firmamento,
Semeei de estrelas tua noite escura.
Dei-te alma, exaltação e sentimento.
Fiz de um bloco de pedra uma criatura.
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Hoje, ambos à mercê de sorte avessa,
Se para te esquecer luto e me esforço,
Manda-me o coração que não te esqueça.
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Padecemos idêntico suplício:
Tu - corroída de pena e de remorso,
Eu - com vergonha do meu sacrifício.

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Fanatismo- Florbela Espanca



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Minh’alma, de sonhar-te, anda perdida.
Meus olhos andam cegos de te ver!
Não és sequer razão do meu viver,
Pois que tu és já toda a minha vida!
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Não vejo nada assim enlouquecida...
Passo no mundo, meu Amor, a ler
No misterioso livro do teu ser
A mesma história tantas vezes lida!
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“Tudo no mundo é frágil, tudo passa...”
Quando me dizem isto, toda a graça
Duma boca divina fala em mim!
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E, olhos postos em ti, digo de rastros:
“Ah! Podem voar mundos, morrer astros,
Que tu és como Deus: Princípio e Fim!...”
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