sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Roseira Brava - Florbela Espanca



Há nos teus olhos de oiro um tal fulgor
E no teu riso tanta claridade,
Que o lembrar-me de ti é ter saudade
Duma roseira brava toda em flor.
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Tuas mãos foram feitas para a dor,
Para os gestos de doçura e piedade;
E os teus beijos de sonho e de ansiedade
São como a alma a arder do próprio amor!
.
Nasci envolta em trajes de mendiga;
E, ao dares-me o teu amor de maravilha,
Deste-me o manto de oiro de rainha!
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Tua irmã... teu amor... e tua amiga...

E também - toda em flor - a tua filha,
Minha roseira brava que é só minha!...
.

quinta-feira, 30 de outubro de 2008

A Imortalidade do Amor - Davi Cartes Alves


Tua boca
tem sopro doce de luar
mas em minha alma
conjuga em chamas
o verbo amar
.
teu beijo
tem o mel da imortalidade
deixa a alma sublevar
entre sensações
da tenra idade
.
teu corpo
és bojo macio de tulipa
a recender magnólias
torna em luminoso paraíso,
meu taciturno mausoléu
.
Fez me sentir-se Hermes
altaneiro, a levar recados
entre a terra e o céu.
.
.
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quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Catarina a Camões - Elizabeth Barret Browning


Catarina a Camões
.
I
P'ra a porta onde não surges nem me vês
Há muito tempo que olho já em vão.
A esperança retira o seu talvez;
Aproxima-se a morte, mas tu não.
Amor, vem
Fechar bem
Estes olhos de que dissestes ao vê-los:
O lindo ser dos vossos olhos belos.
II
Quando te ouvi cantar esse bordão
Nos meus de primavera alegres dias;
Todo alheio louvar tendo por vão
Só dava ouvidos ao que tu dizias
– Dentro em mim
Dizendo assim:
"Ditosos olhos de que disse ao vê-los:
O lindo ser dos vossos olhos belos."
III
Mas tudo muda. Nesta tarde fria
O sol bate na porta sem calor.
Se estivesse aí murmuraria
Como dantes tua voz – "amo-te, amor";
A morte chega
E já cega
Os olhos que ontem eram teus desvelo
O lindo ser dos vossos olhos belos.
IV
Sim. Creio que se a vê-los te encontrasses
Agora, ao pé do leito em que me fino,
Ainda que a beleza lhes negasses,
Só pelo amor que neles eu defino
Com verdade
E ansiedade
Repetirias, meu amor, ao vê-los:
O lindo ser dos vossos olhos belos.
V
E se neles pusesse teu olhar
E eles pusessem seu olhar no teu,
Toda a luz que começa a lhes faltar
Voltaria de pronto ao lugar seu.
Com verdade
E ansiedade
Dir-se-ia como tu disseste ao vê-los:
O lindo ser dos vossos olhos belos.
VI
Mas – ai de mim! – tu não me vês senão
Nos pensamentos teus de amante ausente,
E sorrindo talvez, sonhando em vão,
Trás o abanar do leque levemente;
E, sem pensar,
Em teu sonhar
Iras talvez dizendo sempre ao vê-los:
O lindo ser dos vossos olhos belos,
VII
Enquanto o meu espírito se debruça
Do meu pálido corpo sucumbido,
Ansioso de saber que falas usa
Teu amor p'ra meu espírito ferido,
Poeta, vemMostrar bem
Que amor trazem aos olhos teus desvelos
– O lindo ser dos vossos olhos belos.
VIII
Ó meu poeta, ó meu profeta, quando
Destes olhos louvaste o lindo ser,
Pensaste acaso, enquanto ias cantando,
Que isso já estava prestes de morrer?
Seus olhares
Deram-te ares
De que breve podias não mais vê-los,
O lindo ser dos vossos olhos belos.
IX
Ninguém responde.
Só suave, defronte,
No pátio a fonte canta em solidão,
E como água no mármore da fonte,
Do amor p'ra a morte cai meu coração.
E é da sorte
Que seja a morte
E não o amor, que ganhe os teus desvelos
– O lindo ser dos vossos olhos belos!
X
E tu nunca virás?
Quando eu me for
Onde as doçuras estão escondidas,
E onde a tua voz, ó meu amor,
Não me abrirá as pálpebras descidas,
Dize, amo meu,"O amor, morreu!"
Sob o cipreste chora os teus desvelos
– O lindo ser dos vossos olhos belos.
XI
Quando o angelus toca à oração,
Não passarás ao pé deste convento,
Lembrando-te, a chorar, do cantochão
Que anjos nos traziam do firmamento?
No ardor meu
Eu via o céu
E tu: "O mundo é vil, ó meus desvelos,
Ao lindo ser dos vossos olhos belos?"
XII
Devagar quando, do palácio ao pé,
Cavalgares, como antes, suave e rente,
E ali vires um rosto que não é
O que vias ali antigamente,
Dirás talvez
"Tanta vez
Me esperaste aqui, ó meus desvelos
Ó lindo ser dos vossos olhos belos!"
XIII
Quando as damas da corte, arfando os peitos,
Te disserem, olhando o gesto teu,
"Canta-nos, poeta, aqueles versos feitos
Àquela linda dama que morreu",
Tremerás?
Calar-te-ás?
Ou cantarás, chorando, os teus desvelos
– O lindo ser dos vossos olhos belos?
XIV
"Lindo ser de olhos belos!" Suaves frases
E deliciosas quando eu as repito!
Cem poesias outras que cantasses,
Sempre nesta a melhor terias dito.
Sinto-a calma
Entre a minha alma
E os rumores da terra ? pesadelos:
– O lindo ser dos vossos olhos belos.
XV
Mas reza o padre junto à minha face,
E o coro está de joelhos todo em prece,
E é forçoso que a alma minha passe
Entre cantos de dor, e não como esse.
MiserereP'los que fere
O mundo, e p'ra Natércia, os teus desvelos
– O lindo ser dos vossos olhos belos.
XVI
Guarda esta fita que te mando
(Tirei-a dos cabelos para ti).
Sentir-te-ás, quando o teu choro arda,
Acompanhado na tua dor por mi;
Pois com pura
Alma imperjura
Sempre do céu te olharão teus desvelos
– O lindo ser dos vossos olhos belos.
XVII
Mas agora, esta terra inda os prendendo,
Desses olhos o brilho é inda alado...
Amor, tu poderás encher, querendo,
Teu futuro de todo o meu passado,
E tornar
A cantar
A outra dama ideal dos teus desvelos:
O lindo ser dos vossos olhos belos.
XVIII
Mas que fazeis, meus olhos, ó perjuros!
Perjuros ao louvor que ele vos deu,
Se esta hora mesmo vos não mostrais puros
De lágrima que acaso vos encheu?
Será forte
Choro ou morte
Se indignos os tornar de teus desvelos
– O lindo ser dos vossos olhos belos.
XIX
Seu futuro encherá meu 'spírito alado
No céu, e abençoá-lo-ei dos céus.
Se ele vier a ser enamorado
De olhos mais belos do que os olhos meus,
O céu os proteja,
Suave lhes seja
E possa ele dizer, sincero, ao vê-los.
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terça-feira, 28 de outubro de 2008

A Lembrança - John Donne



Manda-me uma lembrança, para que minha esperança viva,
Ou meus turvos pensamentos possam dormir e descansar.
Manda-me algum mel para adoçar a minha colmeia,
Para que na minha paixão o melhor possa esperar
Não peço uma faixa tecida por tuas próprias mãos,
Para enlaçar nossos amores na teia da fantasia
De recém-desflorada juventude; nem anel para dar a medida
Da nossa afeição, igualmente clara e circular,
Pois nossos amores devem encontrar-se com simplicidade;
Não, nem os corais que envolvem o teu pulso,
Entrelaçados juntos, harmoniosamente,
A mostrar o entendimento de nossos pensamentos;
Não, nem o teu retrato, embora muito gracioso,
E ainda mais desejado, porque se atraem os iguais;
Nem versos espirituosos, já por demais copiosos
Nos escritos que me tens enviado.
Não me envies qualquer coisa para aumentar os meus bens
Mas jura que acreditas que te amo, e nada mais.
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sexta-feira, 24 de outubro de 2008

Carta a F. - Guerra Junqueiro



És tu quem me conduz, és tu quem me alumia,
Para mim não desponta a aurora, não é dia,
Se não vejo os dois sóis azuis do teu olhar.
Deixei-te há pouco mais dum mês, – mês secular
E nessa noite imensa, ah, digo-te a verdade,
Iluminou-me sempre o luar da saudade.
E nesses montes nus por onde eu tenho andado,
Trágicos vagalhões dum mar petrificado,
Sempre adiante de mim dentre a aridez selvagem,
Vi como um lírio branco erguer-se a tua imagem.
Nunca te abandonei! Nunca me abandonaste!
És o sol e eu a sombra. És a flor e eu a haste.
Na hora em que parti meu coração deixei-o
Na urna virginal desse divino seio,
E o teu sinto-o eu aqui a bater de mansinho
Dentro em meu peito, como uma rola em seu ninho!
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O Amor e o Outro - Affonso Romano de Sant'Anna

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Não amo
............... melhor
nem pior
do que ninguém.
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Do meu jeito amo.
Ora esquisito, ora fogoso,
às vezes aflito
ou ensandecido de gozo.
Já amei
...............até com nojo.
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Coisas fabulosas
acontecem-me no leito. Nem sempre
de mim dependem, confesso.
O corpo do outro
é que é sempre surpreendente.
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quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Não te Amo - Almeida Garret



Não te amo, quero-te: o amor vem d'alma.
E eu n'alma - tenho a calma,
A calma - do jazigo.
Ai! não te amo, não.
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Não te amo, quero-te: o amor é vida.
E a vida - nem sentida
A trago eu já comigo.
Ai! não te amo, não!
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Ai! não te amo, não; e só te quero
De um querer bruto e fero
Que o sangue me devora,
Não chega ao coração.
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Não te amo. És bela; e eu não te amo, ó bela.
Quem ama a aziaga estrela
Que lhe luz na má hora
Da sua perdição?
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E quero-te, e não te amo, que é forçado,
De mau, feitiço azado
Este indigno furor.
Mas oh! não te amo, não.
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E infame sou, porque te quero; e tanto
Que de mim tenho espanto,
De ti medo e terror...
Mas amar!... não te amo, não.
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sábado, 18 de outubro de 2008

A Espera - Adalgisa Nery



Amado... Por que tardas tanto?
As primeiras sombras se avizinham
E as estrelas iniciam a noite.
Vem...
Pois a esperança que se acolheu em meu coração
Vai deixá-lo como um ninho abandonado nos penhascos.
Vem...
Amado...
desce a tua boca sobre a minha boca
Para a tua alma levar a minha alma
Pesada de sofrimento!
Vem...
Para que, beijando a minha boca
Eu receba a sensação de uma janela aberta.
Amado meu...
Por que tardas tanto?
Vem...
E serás como um ramo de rosas brancas
Pousando no túmulo da minha vida...
Vem amado meu.
Por que tardas tanto?
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sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Por Eugénio de Andrade ...




Entre os teus lábios
é que a loucura acode,
desce à garganta,
invade a água.
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No teu peito
é que o pólen do fogo
se junta à nascente,
alastra na sombra.
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Nos teus flancos
é que a fonte começa
a ser rio de abelhas,
rumor de tigre.
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Da cintura aos joelhos
é que a areia queima,
o sol é secreto,
cego o silêncio.
.
Deita-te comigo.
Ilumina meus vidros.
Entre lábios e lábios
toda a música é minha.
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quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Saudades - Mia Couto


Magoa-me a saudade
do sobressalto dos corpos
ferindo-se de ternura
sói-me a distante lembrança
do teu vestido
caindo aos nossos pés
.
Magoa-me a saudade
do tempo em que te habitava
como o sal ocupa o mar
como a luz recolhendo-se
nas pupilas desatentas
.
Seja eu de novo a tua sombra, teu desejo,
tua noite sem remédio
tua virtude, tua carência
eu
que longe de ti sou fraco
eu
que já fui água, seiva vegetal
sou agora gota trémula, raiz exposta
.
Traz
de novo, meu amor,
a transparência da água
dá ocupação à minha ternura vadia
mergulha os teus dedos
no feitiço do meu peito
e espanta na gruta funda de mim
os animais que atormentam o meu sono
.

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Tarde Demais - Helena Kolody



Se soubesses, amor, quanto eu quisera ser
A doce companhera, indulgente e querida,
Que enchesse de alegria o vácuo de tua vida
Com seu alcandorado afeto de mulher...
Com que solicitude ardente e comovida
Minha ternura imensa havia de aprender
A apagar de teu rosto os traços do sofrer,
A afastar de tu' alma a dor imerecida!
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Eu desejava ser a meiga feiticeira
Que transformasse em luz a tua vida inteira,
.
Concretizando teu ideal de sonhador.
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Mas, em teu coração outra mulher impera...
No encantado jardim do reino da quimera,
Floriu tarde demais o meu sonho de amor.
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terça-feira, 14 de outubro de 2008

Sobre a Neve - Florbela Espanca


Sobre mim, teu desdém, pesado jaz
Como um manto de neve... Quem dissera
Porque tombou em plena Primavera
Toda essa neve que o Inverno traz!
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Coroavas-me inda há pouco de lilás
E de rosas silvestres... quando eu era
Aquela que o Destino prometera
Aos teus rútilos sonhos de rapaz!
.
Dos beijos que me deste não te importas,
Asas paradas de andorinhas mortas...
Folhas de Outono em correria louca...
.
Mas inda um dia, em mim, ébrio de cor,
Há de nascer um roseiral em flor
Ao sol de Primavera doutra boca!
..

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Soneto do Amor como um Rio - Vinícius de Moraes



Este infinito amor de um ano faz
Que é maior do que o tempo e do que tudo
Este amor que é real, e que, contudo
Eu já não cria que existisse mais.
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Este amor que surgiu insuspeitado
E que dentro do drama fez-se em paz
Este amor que é o túmulo onde jaz
Meu corpo para sempre sepultado.
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Este amor meu é como um rio; um rio
Noturno interminável e tardio
A deslizar macio pelo ermo
.
E que em seu curso sideral me leva
Iluminado de paixão na treva
Para o espaço sem fim de um mar sem termo.
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quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Por Eça de Queiroz ...


Segunda Carta a Clara
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Meu amor,
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Ainda há poucos instantes (dez instantes, dez minutos, que tanto gastei num desolador desde a nossa Torre de Marfim), eu sentia o rumor do teu coração junto ao meu, sem que nada os separasse senão uma pouca de argila mortal, em ti tão bela, em mim tão rude – e já estou tentando reconfigura ansiosamente, por meio deste papel inerte, esse inefável estar contigo que é hoje todo o fim da minha vida, a minha suprema e única vida. É que , longe da tua presença, cesso de viver, as coisas para mim cessam de ser – e fico como um morto jazendo no meio de um mundo morto, Apenas, pois, me finda esse perfeito e curto momento de vida que me dás, só com pousar junto de mim e murmurar o meu nome – recomeço a aspirar
desesperadamente para ti, como uma ressurreição!
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Antes de te amar, antes de receber das mãos de meu deus a minha Eva – que era eu, na verdade? Uma sombra flutuando entre sombras. Mas tu vieste, doce adorada, para me fazer sentir a minha realidade, e me permitir que eu bradasse também triunfalmente o meu – “Amo, logo existo!” E não foi só a minha realidade que me desvendaste – mas ainda a realidade de todo este universo, que me envolvia como um ininteligível e cinzento montão de aparências. Quando há dias, no terraço de Savran, ao anoitecer, te queixavas que eu contemplasse as estrelas estando tão perto dos teus olhos, e espreitasse o adormecer das colinas junto ao calor dos teus ombros – não sabias, nem eu te soube então explicar, que essa contemplação era ainda um modo novo de te adorar, porque realmente estava admirando, nas coisas, a beleza inesperada que tu sobre elas derramas por uma emanação que te é própria, e que antes de viver ao teu lado, nunca eu lhes percebera, como se não percebe a vermelhidão das rosas ou o verde tenro das relvas antes de nascer o Sol! Foste tu, minha bem-amada, que alumiaste o mundo.
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No teu amor recebi a minha iniciação. Agora entendo, agora sei. E, como o antigo iniciado, posso afirmar: “Também fui a Elêusis; pela larga estrada pendurei muita flor que não era verdadeira, diante de muito altar que não era divino; mas a Elêusis cheguei, em Elêusis penetrei – e vi e senti a verdade!...”
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E acresce ainda, para meu martírio e glória, que tu és tão suntuosamente bela e tão etereamente bela, de uma beleza feita de Céu e de Terra, beleza completa e só tua, que eu já concebera – que nunca julgara realizável. Quantas vezes, ante aquela sempre admirada e toda perfeita Vênus de Milo, pensei que, se debaixo da sua testa de Deusa, pudessem tumultuar os cuidados humanos; se os seus olhos soberanos e mudos se soubessem toldar de lágrimas; se os seus lábios, só talhados para o mel e para os beijos, consentissem em tremer no murmúrio de uma prece submissa; se sob esses seios, que foram o apetite sublime dos Deuses e Heróis, um dia palpitasse o amor e com ele a Bondade; se o seu mármore sofresse,
e pelo sofrimento se espiritualizasse, juntando ao esplendor da Harmonia a graça da Fragilidade; se ela fosse do nosso tempo e sentisse os nossos males, e permanecendo Deusa do Prazer se tornasse Senhora da Dor – então não estaria colocada num museu, mas consagrada num santuário, porque os homens, ao reconhecer nela a aliança sempre almejada e sempre frustrada do Real e do Ideal, decerto a teriam aclamado in aeternum, como a definitiva Divindade. Mas quê! A pobre Vênus só oferecia a serena magnificência da carne. De todo lhe faltava a chama que arde na lama e a consome. E a criatura incomparável do meu cismar, a Vênus Espiritual, Citeréia e Dolorosa, não existia, nunca existiria!... E quando eu assim pensava, eis que tu surges, e eu te compreendo! Eras a encarnação do meu sonho, ou antes de um sonho que deve ser universal – mas só eu te descobri, ou, tão feliz fui, que só por mim quiseste ser descoberta!
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Vê, pois, se jamais te deixarei escapar dos meus braços! Por isso mesmo és a minha Divindade – para sempre e irremediavelmente estás presa dentro da minha adoração. Os sacerdotes de Cartago acorrentavam às lajes dos Templos, com cadeias de bronze, as imagens de seus Baals. Assim te quero também, acorrentada dentro do templo Avaro que te construí, só Divindade minha, sempre no eu altar – e eu sempre diante dele rojado, recebendo constantemente na alma a tua visitação, abismando-me sem cessar na tua essência, de modo que nem por um momento se descontinue essa fusão inefável, que é para ti um ato de Misericórdia e para mim de Salvação. O que eu desejaria na verdade é que fosses invisível para todos e como não existente – que perpetuamente um estofo informe escondesse o teu corpo, uma rígida mudez ocultasse a tua inteligência. Assim passarias no mundo como uma aparência incompreendida. E só para mim, de dentro do invólucro escuro, se revelaria a tua perfeição rutilante. Vê quanto te amo – que e queria entrouxada num rude, vago vestido de merino, com um ar quedo, inanimado... Perderia assim o triunfal contentamento de ver resplandecer entre a multidão maravilhada aquela que em segredo nos ama. Todos murmurariam compassivamente: “Pobre criatura!” E só eu saberia, da “pobre criatura”, o corpo e a alma adoráveis!
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Quanto adoráveis! Nem compreendo que, tendo consciência do teu encanto, não estejas de ti namorada como aquele Narciso que reme de frio, coberto de musgo, à beira da fonte, em Savran. Mas eu largamente te amo, e por mim e por ti! A tua beleza, na verdade, atinge a altura de uma virtude – e foram decerto os modos tão puros da tua alma que fixaram as linhas tão formosas do teu corpo. Por isso há em mim um incessante desespero de não e saber amar condignamente – ou antes (pois desceste de um Céu superior) de não saber tratar, como ela merece, a hóspede divina do meu coração. Desejaria, por vezes, envolver-te toda numa felicidade imaterial, seráfica, calma infinitamente como deve ser a Bem-Aventurança – e assim deslizarmos enlaçados através do silêncio e da luz, muito brandamente, num sonho cheio de certeza, saindo da vida à mesma hora e indo continuar no Além o mesmo sonho extático. E outras vezes desejaria arrebatar-te numa felicidade veemente, tumultuosa, fulgurante, toda de chama, de tal sorte que nela nos destruíssemos sublimemente, e de nós só restasse uma pouca de cinza sem memória e sem nome! Possuo uma velha gravura que é um Satanás, ainda em toda a refulgência da beleza arcangélica, arrastando nos braços para o Abismo uma freira, uma Santa, cujos derradeiros véus de penitência se vão esgaçando pelas
pontas das rochas negras. E na face da santa, através do horror, brilha, irreprimida e mais forte que o horror, uma tal alegria e paixão, tão intensas – que eu as apeteceria para ti, oh minha santa roubada! Mas de nenhum destes modos te sei amar, tão fraco ou inábil é o meu coração, de modo que por o meu amor não ser perfeito, tenho de me contentar que seja eterno. Tu sorris tristemente desta Eternidade.
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Ainda ontem me perguntavas: “No calendário do seu coração, quantos dias dura a Eternidade? “ Mas considera que eu era um morto – e que tu me ressuscitaste. O sangue novo que me circula nas veias, o espírito novo que em mim sente e compreende, são o meu amor por ti – e se ele me fugisse, eu teria outra vez, regelado e mudo, de reentrar no meu sepulcro. Só posso deixar de te amar – quando deixar de ser. E a vida contigo, e por ti, é tão inexprimivelmente bela! É a vida de um deus. Melhor talvez: — se eu fosse esse pagão que tu afirmas que sou, mas um pagão do Lácio, pastor de gados, crente ainda em Júpiter e Apolo, a cada instante temeria que um desses deuses invejosos te raptasse, te elevasse ao Olimpo para completar a sua ventura divina. Assim não receio – toda minha te sei para todo o sempre, olho o mundo em torno de nós como um paraíso para nós criado, e durmo seguro sobre o teu peito na plenitude da glória, oh minha três vezes bendita, Rainha da minha graça.
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Não penses que estou compondo cânticos em teu louvor. É em plena simplicidade que deixo escapar o que me está borbulhando na alma... Ao contrário! Toda a Poesia de todas as idades, na sua gracilidade ou na sua majestade, seria impotente para exprimir o meu êxtase. Balbucio, como posso, a minha infinita oração. E nesta desoladora insuficiência do verbo humano, é como o mais inculto e o mais iletrado que ajoelho ante ti, e levanto as mãos, e te asseguro a única verdade, melhor que todas as verdades – que te amo, e te amo, e te amo, e te amo!...
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Fradique
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terça-feira, 7 de outubro de 2008

Bela d' Amor - Almeida Garret



Pois essa luz cintilante
Que brilha no teu semblante
Donde lhe vem o 'splendor?
Não sentes no peito a chama
Que aos meus suspiros se inflama
E toda reluz de amor?
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Pois a celeste fragância
Que te sentes exalar,
Pois, dize, a ingênua elegância
Com que te vês ondular
Como se baloiça a flor
Na Primavera em verdor,
Dize, dize: a natureza
Pode dar tal gentileza?
Quem ta deu senão amor?
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Vê-te a esse espelho, querida,
i!, vê-te por tua vida,
E diz se há no céu estrela,
Diz-me se há no prado flor
Que Deus fizesse tão bela
Como te faz meu amor.
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segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Versos - Rosângela do Valle Dias


Quebra o teu silêncio e
joga ao vento as tuas dúvidas.
Há tempos eu tento tocar-te
com meus versos.
Preenche os teus espaços vazios
com o toque das minhas mãos
a te ofertar, em poesia,
a esperança de um novo caminhar.
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sexta-feira, 3 de outubro de 2008

Inscrição na Areia - Cecília Meireles


O meu amor não tem
importância nenhuma.
Não tem o peso nem
de uma rosa de espuma!
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Desfolha-se por quem?
Para quem se perfuma?
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O meu amor não tem
importância nenhuma.
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