segunda-feira, 31 de março de 2008

Meus Rabiscos ...


Compartilhar - Renata Christina


O amor não é feito apenas de bons momentos e por isso não há como vivê-lo plenamente
se não houver compartilha. Um deve buscar no outro apoio e refúgio nas horas difíceis. Viver enclausurado no silêncio não faz parte da lealdade tão comum na vida a dois.
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sábado, 29 de março de 2008

Por Ana Cristina Cesar


Acreditei que se amasse de novo

Esqueceria outros

Pelo menos três ou quatro rostos que amei

Num delírio de arquivística

Organizei a memória em alfabetos

Como quem conta carneiros e amansa

No entanto flanco aberto não esqueço

E amo em ti os outros rostos.
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sexta-feira, 28 de março de 2008

O Momento do Amor - Guilherme de Almeida


O relógio de mogno, antigo, grave, enorme

dorme na angústia silenciosa dos imensos salões abandonados,

na alma dos Gobelins,

na vida misteriosa dos espelhos fanados...

Dorme parado e marca uma hora do passado,

uma hora velha,

uma hora de outrora...

E lembra-se da mão que abrira,

um dia, uma arca de pau santo, e tirara a peruca,

os pantufos e o vestido de tufos,

para o minuete,

sobre a volúpia do tapete...

E recorda-se então da marquesinha empoada,

afogada em cetins, espartilhada:

uma estatueta de faiança...

E do cravo de Holanda

que rompera ao compasso de uma dança,

que era um sonho de sons na tarde cor de cera...

E do galante fidalgo que, apoiado ao bastão de porcelana,

num passo airoso de galgo, leve como uma renda valenciana,

tomara docemente a mão medrosa e pura da Marquesinha

toda século XVIII e numa velha mesura,

muito cortez e algum tanto de afoito,

como se todos os sentidos aflorassem-lhe a boca,

num momento, beijou-lhe a boca, num momento,

beijou-lhe os lábios distraídos, num beijo esplêndido e violento!

O relógio viu tudo...

E, no velho silêncio de veludo

que a música rascante desse beijo bruscamente

eriçou, tremeu, ciumento e mudo, a frente do cortejo das horas...

e parou! Parou... E agora, imóvel mas radiante,

vive marcando com saudade o instante desse beijo, a

quele instante que ficou sendo uma serena eternidade...

Há corações que param no passado...

No seu silêncio sagrado

Eles repetem agora um silêncio de outrora...

É o silêncio que existe na furtiva,

na saudosa atitude da boca que se entrega,

ou que se esquiva da mão que diz adeus

ou que lança uma flor...

Porque há uma eternidade,

há um céu que não ilude no momento do amor!

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quinta-feira, 27 de março de 2008

Horas Vivas - Machado de Assis


NOITE; abrem-se as flores.

Que esplendores!

Cíntia sonha amores

Pelo céu.

Tênues as neblinas

Às campinas

Descem das colinas

Como um véu.

Mãos em mãos travadas

Animadas,

Vão aquelas fadas

Pelo ar

Soltos os cabelos,

Em novelos

Puros, louros, belos

A voar.

"Homem, nos teus dias

Que agonias

Sonhos, utopias,
Ambições;

Vivas e fagueiras,

As primeiras

Como as derradeiras Ilusões!

Quantas, quantas vidas

Vão perdidas,

Pombas malferidas

Pelo mal!

Anos após anos,

Tão insanos

Vêm os desenganos

Afinal.

Dorme: se os pesares

Repousares.

Vês? —por estes ares

Vamos rir;

Mortas, não; festivas,

E lascivas,

Somos—horas vivas

De dormir. —"

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quarta-feira, 26 de março de 2008

Amor no Éter - Adélia Prado


Há dentro de mim uma paisagem
entre meio-dia e duas horas da tarde.
Aves pernaltas, os bicos mergulhados na água,
entram e não neste lugar de memória,
uma lagoa rasa com caniço na margem.
Habito nele, quando os desejos do corpo,
a metafísica, exclamam: como és bonito!
Quero escrever-te até encontrar
onde segregas tanto sentimento.
Pensas em mim, teu meio-riso secreto
atravessa mar e montanha,
me sobressalta em arrepios,
o amor sobre o natural.
O corpo é leve como a alma,
os minerais voam como borboletas.
Tudo deste lugar entre meio-dia e duas horas da tarde.

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terça-feira, 25 de março de 2008

Frémito do Meu Corpo - Florbela Espanca


Frémito do meu corpo a procurar-te,
Febre das minhas mãos na tua pele
Que cheira a âmbar, a baunilha e a mel,
Doido anseio dos meus braços a abraçar-te,
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Olhos buscando os teus por toda a parte,
Sede de beijos, amargor de fel,
Estonteante fome, áspera e cruel,
Que nada existe que a mitigue e a farte!
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E vejo-te tão longe! Sinto a tua alma
Junto da minha, uma lagoa calma,
A dizer-me, a cantar que me não amas...
.
E o meu coração que tu não sentes,
Vai boiando ao acaso das correntes,
Esquife negro sobre um mar de chamas...

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segunda-feira, 24 de março de 2008

Emotividade da Cor - Gilka Machado


Sete cores — sete notas erradias,


sete notas da música do olhar,


sete notas de etéreas melodias,


de sons encantadores


que se compõem entre si,


formando outras tantas cores,


do cinzento que cisma ao jade que sorri.
.
Há momentos


em que a cor nos modifica os sentimentos,


ora fazendo bem, ora fazendo mal;


em tons calmos ou violentos,


a cor é sempre comunicativa,


amortece, reaviva,tal a sua expressão emocional.
.
Lançai olhares investigadores


para a mancha dos poentes:


há cores que são ecos de outras cores,


cores sem vibrações, cores esfalecentes,


melodias que o olhar somente escuta,


na quietude absoluta,


ao Sol se pôr...


Quem há que inda não tenha percebido


o subjetivo ruídoda harmonia da cor?
.
(...)
.
— A Cor é o aroma em corpo e embriaga pelo olhar.


Cor é soluço, cor é gargalhada,


cor é lamento, é suspiro,


e grito de alma desesperada!


Muitas vezes a cor ao som prefiro


porque a minha emoção é igual à sua:


— parada, estatelada


dizendo tudo, sem que diga nada,


no prazer ou na dor.
.
Olhar a cor


é ouvi-la,


numa expressão tranquila,falar de todas as sensações


caladas, dos corações;


no entanto, a cor tem brados,


mas brados estrangulados,


mágoas contidas,


mudo querer,


ânsia, fervor, emotividade


de desconhecidas


vidas,


que se ficaram na vontade,


que não conseguiram ser...
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Cores são vagas, sugestivas toadas...


Cores são emoções paralisadas...
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(...)
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sábado, 22 de março de 2008

Sentir-se Amado - Martha Medeiros


O cara diz que te ama, então tá. Ele te ama..

Sua mulher diz que te ama, então assunto encerrado.
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Você sabe que é amado porque lhe disseram isso, as três palavrinhas mágicas. Mas saber-se amado é uma coisa, sentir-se amado é outra, uma diferença de milhas, um espaço enorme para a angústia instalar-se.
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A demonstração de amor requer mais do que beijos, sexo e verbalização, apesar de não sonharmos com outra coisa: se o cara beija, transa e diz que me ama, tenha a santa paciência, vou querer que ele faça pacto de sangue também?
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Pactos. Acho que é isso. Não de sangue nem de nada que se possa ver e tocar. É um pacto silencioso que tem a força de manter as coisas enraizadas, um pacto de eternidade, mesmo que o destino um dia venha a dividir o caminho dos dois.
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Sentir-se amado é sentir que a pessoa tem interesse real na sua vida, que zela pela sua felicidade, que se preocupa quando as coisas não estão dando certo, que sugere caminhos para melhorar, que coloca-se a postos para ouvir suas dúvidas e que dá uma sacudida em você, caso você esteja delirando. "Não seja tão severa consigo mesma, relaxe um pouco. Vou te trazer um cálice de vinho".
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Sentir-se amado é ver que ela lembra de coisas que você contou dois anos atrás, é vê-la tentar reconciliar você com seu pai, é ver como ela fica triste quando você está triste e como sorri com delicadeza quando diz que você está fazendo uma tempestade em copo d´água. "Lembra que quando eu passei por isso você disse que eu estava dramatizando? Então, chegou sua vez de simplificar as coisas. Vem aqui, tira este sapato.
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"Sentem-se amados aqueles que perdoam um ao outro e que não transformam a mágoa em munição na hora da discussão. Sente-se amado aquele que se sente aceito, que se sente bem-vindo, que se sente inteiro. Sente-se amado aquele que tem sua solidão respeitada, aquele que sabe que não existe assunto proibido, que tudo pode ser dito e compreendido. Sente-se amado quem se sente seguro para ser exatamente como é, sem inventar um personagem para a relação, pois personagem nenhum se sustenta muito tempo. Sente-se amado quem não ofega, mas suspira; quem não levanta a voz, mas fala; quem não concorda, mas escuta.
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Agora sente-se e escute: eu te amo não diz tudo.

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sexta-feira, 21 de março de 2008

Por Pablo Neruda


Tu eras também uma pequena folha

que tremia no meu peito.

O vento da vida pôs-te ali.

A princípio não te vi: não soube

que ias comigo,

até que as tuas raízes

atravessaram o meu peito,

se uniram aos fios do meu sangue,

falaram pela minha boca,

floresceram comigo.

quinta-feira, 20 de março de 2008

Graças te Rendo... - Emiliano Perneta


Graças te rendo aqui, preciosa Senhora,

Que, num simples olhar de ternura, tiveste

O dom de me elevar, assim como o fizeste,

Entre os brasões do amor e as púrpuras d'aurora...


O dom de me fazer acreditar que veste

O humano coração, como acredito agora,

Não o lodo, porém, o linho; que se adora,

O linho que fulgura em pleno azul-celeste...


Sei que os votos que são trabalhados com arte

Hão de os deuses cumprir, ó luz maravilhosa:

— Sê, pois, bendita, sê bendita em toda parte!


Que onde fores pisar, que por onde tu fores:

A lama se transforme em pétalas de rosa,

As víboras em fruto, os espinhos em flores!

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Emiliano Daví Perneta (Sítio dos Pinhais PR 1866-1921) Incorporando ao sobrenome um apelido de seu pai, já nisso revela a excentricidade que o caracterizou, desde o traje até o ultraje ao Sistema: republicano no Império, abolicionista na escravocracia, simbolista como reação ao parnasianismo que o formara. Como demorou para reunir sua obra, passou despercebido da crítica, embora fosse influente entre os paranaenses. Metaforicamente esquisitos, seus sonetos são conservadores na forma e às vezes naquele medo da modernidade, típico dos simbolistas quando se refugiavam num passadismo, menos que decadentista, decadista, isto é, de décadas em vez de séculos.


quarta-feira, 19 de março de 2008

Por Arnaldo Jabor

"Ama- se pelo cheiro, pelo mistério, pela paz que o outro lhe dá, ou pelo tormento que provoca. Ama-se pelo tom de voz, pela maneira que os olhos piscam, pela fragilidade que se revela quando menos se espera." Arnaldo Jabor

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terça-feira, 18 de março de 2008

Saudade - Gilka Machado



De quem é esta saudade
que meus silêncios invade,
que de tão longe me vem?

De quem é esta saudade,

de quem?

Aquelas mãos só carícias,

Aqueles olhos de apelo,
aqueles lábios-desejo...

E estes dedos engelhados,
e este olhar de vã procura,
e esta boca sem um beijo...

De quem é esta saudade

que sinto quando me vejo?


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segunda-feira, 17 de março de 2008

No Telefone - Neide de Camargo Dorneles


tua voz

penetra no meu ouvido

e percorre, atrevida,

meu corpo todo

que de imediato se acende,

em chamas

de desejo alerta...


E assim aberta,

sorvo,

absorvo,

palavras

cheias de mãos,

bocas,

delírios...


E nesse instante,

puro deleite,

eixo que me desnudes

com calma,

e bem devagar

me inundes

corpo e alma.

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domingo, 16 de março de 2008

Intimidade - Leonor Cordeiro


Pra você quero lençol de algodão branco

dá friozinho quando se deita

quebra nas costas de encorpado

deixa as vistas doendo de tão claro

faz a gente escorregar melhor

e ainda não dá bolinha

feito esses panos modernos

noventa por cento poliéster

e só um tiquinho de algodão ...
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sábado, 15 de março de 2008

Presente - Renata Christina


De você recebo

uma mistura de afeto e cuidado.

De seus sonhados beijos

a cor de meus versos,

cinzentos até então...
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sexta-feira, 14 de março de 2008

Apenas um Encontro - Renata Christina


Por um instante apenas
Nossos devaneios encontraram-se,
Rabiscamos um céu de poemas
Flores enfeitavam nossos rostos.
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Na relva do mundo do faz-de-conta,
Andamos de pés descalços,
Pescamos estrelas cintilantes e
Enfeitamos nossos versos.
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Alcançamos o grandioso mar onde
Promessas foram feitas,
Assim como um belo poema
Para eternizar o inesquecível momento.
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quinta-feira, 13 de março de 2008

Amor - O Interminável Aprendizado / Affonso Romano de Sant'Anna



Criança, ele pensava: amor, coisa que os adultos sabem. Via-os aos pares namorando nos portões enluarados se entrebuscando numa aflição feliz de mãos na folhagem das anáguas. Via-os noivos se comprometendo à luz da sala ante a família, ante as mobílias; via-os casados, um ancorado no corpo do outro, e pensava: amor, coisa-para-depois, um depois-adulto-aprendizado.
Se enganava.

Se enganava porque o aprendizado de amor não tem começo nem é privilégio aos adultos reservado. Sim, o amor é um interminável aprendizado.

Por isto se enganava enquanto olhava com os colegas, de dentro dos arbustos do jardim, os casais que nos portões se amavam. Sim, se pesquisavam numa prospecção de veios e grutas, num desdobramento de noturnos mapas seguindo o astrolábio dos luares, mas nem por isto se encontravam. E quando algum amante desaparecia ou se afastava, não era porque estava saciado. Isto aprenderia depois. É que fora buscar outro amor, a busca recomeçara, pois a fome de amor não sabia nunca, como ali já não se saciara.

De fato, reparando nos vizinhos, podia observar. Mesmo os casados, atrás da aparente tranqüilidade, continuavam inquietos. Alguns eram mais indiscretos. A vizinha casada deu para namorar. Aquele que era um crente fiel, sempre na igreja, um dia jogou tudo para cima e amigou-se com uma jovem. E a mulher que morava em frente da farmácia, tão doméstica e feliz, de repente fugiu com um boêmio, largando marido e filhos.
Então, constatou, de novo se enganara. Os adultos, mesmo os casados, embora pareçam um porto onde as naus já atracaram, os adultos, mesmo os casados, que parecem arbustos cujas raízes já se entrançaram, eles também não sabem, estão no meio da viagem, e só eles sabem quantas tempestades enfrentaram e quantas vezes naufragaram.

Depois de folhear um, dez, centenas de corpos avulsos tentando o amor verbalizar, entrou numa biblioteca. Ali estavam as grandes paixões. Os poetas e novelistas deveriam saber das coisas. Julietas se debruçavam apunhaladas sobre o corpo morto dos Romeus, Tristãos e Isoldas tomavam o filtro do amor e ficavam condenados à traição daqueles que mais amavam e sem poderem realizar o amor.

O amor se procurava. E se encontrando, desesperava, se afastava, desencontrava.

Então, pensou: há o amor, há o desejo e há a paixão.

O desejo é assim: quer imediata e pronta realização. É indistinto. Por alguém que, de repente, se ilumina nas taças de uma festa, por alguém que de repente dobra a perna de uma maneira irresistivelmente feminina.

Já a paixão é outra coisa. O desejo não é nada pessoal. A paixão é um vendaval. Funde um no outro, é egoísta e, em muitos casos, fatal.

O amor soma desejo e paixão, é a arte das artes, é arte final.

Mas reparou: amor às vezes coincide com a paixão, às vezes não.

Amor às vezes coincide com o desejo, às vezes não.

Amor às vezes coincide com o casamento, às vezes não.

E mais complicado ainda: amor às vezes coincide com o amor, às vezes não.

Absurdo.

Como pode o amor não coincidir consigo mesmo?
Adolescente amava de um jeito. Adulto amava melhormente de outro. Quando viesse a velhice, como amaria finalmente? Há um amor dos vinte, um amor dos cinqüenta e outro dos oitenta? Coisa de demente.

Não era só a estória e as estórias do seu amor. Na história universal do amor, amou-se sempre diferentemente, embora parecesse ser sempre o mesmo amor de antigamente.

Estava sempre perplexo. Olhava para os outros, olhava para si mesmo ensimesmado.

Não havia jeito. O amor era o mesmo e sempre diferenciado.

O amor se aprendia sempre, mas do amor não terminava nunca o aprendizado.

Optou por aceitar a sua ignorância.

Em matéria de amor, escolar, era um repetente conformado.

E na escola do amor declarou-se eternamente matriculado.
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quarta-feira, 12 de março de 2008

Aproximação - Tom Reiss


Te chamo com pincéis ......................me chamas com olhares
aquarelas e alma aberta.....................pares maliciosos
coberta de manto e cores.................. dissecando meus segredos
matizando tuas telas........................vacilantes de medo
.
Te chamo em catedrais.....................me chamas com papéis
vitrais que permeiam .................. ....poesias e ritmo certo
penumbras emoções.........................deixando-me prosa
flutuando teus oráculos......................nas linhas do teu conto
.
Te chamo às ladeiras........................me chamas às praças
conduzindo-te às nuvens....................vermelhas em chama
da minha insensatez.........................na cama bacante
devassa dos teus pensamento..............recobrindo-me de gozo
.
...............Me chamas.....................te chamo
...............mais chamas...................mais camas
...............entrelaçando-nos............. despedaçando-nos
...............em dois corpos............... em nus corpos
...............em um......................... dueto
.
.................................solo


................................

terça-feira, 11 de março de 2008

XIII A Anália - Almeida Garret


Salve dia d'amor sempre jucundo!
Anália encantadora
Nesta risonha aurora
Para me aventurar vieste ao mundo.

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Quando assomar no apavonado oriente
Amor te viu fagueiro,
As frechas prazenteiro
Aguçou, e sorriu todo contente:

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Fugiu da mãe aos amorosos braços,
E em teu rosto divino
Depor foi, de contino,
Encantos, filtros e amorosos laços.

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Assim me enfeitiçaste! - assim rendida
Trago alma e coração,
Que, sem esta prisão,
Nem eu já sei viver nem quero a vida.

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Anália, amado bem, tão fausto dia
Celebremos contentes;
E as flores inocentes
Colhamos desta vida fugidia:

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O tempo voa, as horas despedidas
Tão ligeiras decorrem,
Murcham tão breve e morrem
Rosas que do prazer não são colhidas!...

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Porto - 1819.

segunda-feira, 10 de março de 2008

Poema da Amante - Adalgisa Nery


Eu te amo

Antes e depois de todos os acontecimentos,

Na profunda imensidade do vazio

E a cada lágrima dos meus pensamentos.

Eu te amo

Em todos os ventos que cantam,

Em todas as sombras que choram,

Na extensão infinita dos tempos

Até a região onde os silêncios moram.

Eu te amo

Em todas as transformações da vida,

Em todos os caminhos do medo,

Na angústia da vontade perdida

E na dor que se veste em segredo.

Eu te amo

Em tudo que estás presente,

No olhar dos astros que te alcançam

E em tudo que ainda estás ausente.

Eu te amo

Desde a criação das águas,desde a idéia do fogo

E antes do primeiro riso e da primeira mágoa.

Eu te amo perdidamente

Desde a grande nebulosa

Até depois que o universo cair sobre mim

Suavemente.

sexta-feira, 7 de março de 2008

Teu Riso - Pablo Neruda




Tira-me o pão, se quiseres,

tira-me o ar, mas não

me tires o teu riso.

Não me tires a rosa,

a lança que desfolhas,

a água que de súbito

brota da tua alegria,

a repentina onda

de prata que em ti nasce.

A minha luta é dura e regresso

com os olhos cansados

às vezes por ver

que a terra não muda,

mas ao entrar teu riso

sobe ao céu a procurar-me

e abre-me todas

as portas da vida.

Meu amor, nos momentos

mais escuros solta

o teu riso e se de súbito

vires que o meu sangue mancha

as pedras da rua,

ri, porque o teu riso

será para as minhas mãos

como uma espada fresca.


À beira do mar, no outono,

teu riso deve erguer

sua cascata de espuma,

e na primavera, amor,

quero teu riso como

a flor que esperava,

a flor azul, a rosa

da minha pátria sonora.

Ri-te da noite,

do dia, da lua,

ri-te das ruas

tortas da ilha,

ri-te deste grosseiro

rapaz que te ama,

mas quando abro

os olhos e os fecho,

quando meus passos vão,

quando voltam meus passos,

nega-me o pão, o ar,

a luz, a primavera,

mas nunca o teu riso,

porque então morreria..

quinta-feira, 6 de março de 2008

(Cabelos onde o amor s'esconde manso) - Sarmento Menna




Cabelos onde o amor s'esconde manso,


e com eles brincando ocultamente,


dispara do arco ebúrneo a seta ardente,


que humanos peitos ferem sem descanso;


.
cabelos, cujo mimo m'esperanço


de obter de tua mão ditosamente;


cabelos de um escuro reluzente,


que de os ver, admirar jamais me canso;


.


cabelos, cuja cor tem meus cuidados;


cabelos com que um deus prende,


domina e abranda corações petrificados;


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são os teus, venturosa Carolina,


cópia de graças, dos louçãos agrados,


formosura sem par, mortal divina.


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quarta-feira, 5 de março de 2008

Se tu viesses ver-me... - Florbela Espanca


Se tu viesses ver-me hoje à tardinha,

A essa hora dos mágicos cansaços,

Quando a noite de manso se avizinha,

E me prendesses toda nos teus braços...

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Quando me lembra: esse sabor que tinha

A tua boca... o eco dos teus passos... O

teu riso de fonte... os teus abraços...

Os teus beijos... a tua mão na minha...

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Se tu viesses quando, linda e louca,

Traça as linhas dulcíssimas dum beijo

E é de seda vermelha e canta e ri

.
E é como um cravo ao sol a minha boca...

Quando os olhos se me cerram de desejo...

E os meus braços se estendem para ti...

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terça-feira, 4 de março de 2008

Para Viver Um Grande Amor - Vinícius de Moraes

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Para viver um grande amor, preciso é muita concentração e muito siso, muita seriedade e pouco riso — para viver um grande amor.Para viver um grande amor, mister é ser um homem de uma só mulher; pois ser de muitas, poxa! é de colher... — não tem nenhum valor.



Para viver um grande amor, primeiro é preciso sagrar-se cavalheiro e ser de sua dama por inteiro — seja lá como for. Há que fazer do corpo uma morada onde clausure-se a mulher amada e postar-se de fora com uma espada — para viver um grande amor.



Para viver um grande amor, vos digo, é preciso atenção como o "velho amigo", que porque é só vos quer sempre consigo para iludir o grande amor. É preciso muitíssimo cuidado com quem quer que não esteja apaixonado, pois quem não está, está sempre preparado pra chatear o grande amor.




Para viver um amor, na realidade, há que compenetrar-se da verdade de que não existe amor sem fidelidade — para viver um grande amor. Pois quem trai seu amor por vanidade é um desconhecedor da liberdade, dessa imensa, indizível liberdade que traz um só amor.



Para viver um grande amor, il faut além de fiel, ser bem conhecedor de arte culinária e de judô — para viver um grande amor.



Para viver um grande amor perfeito, não basta ser apenas bom sujeito; é preciso também ter muito peito — peito de remador. É preciso olhar sempre a bem-amada como a sua primeira namorada e sua viúva também, amortalhada no seu finado amor.



É muito necessário ter em vista um crédito de rosas no florista — muito mais, muito mais que na modista! — para aprazer ao grande amor. Pois do que o grande amor quer saber mesmo, é de amor, é de amor, de amor a esmo; depois, um tutuzinho com torresmo conta ponto a favor...



Conta ponto saber fazer coisinhas: ovos mexidos, camarões, sopinhas, molhos, strogonoffs — comidinhas para depois do amor. E o que há de melhor que ir pra cozinha e preparar com amor uma galinha com uma rica e gostosa farofinha, para o seu grande amor?



Para viver um grande amor é muito, muito importante viver sempre junto e até ser, se possível, um só defunto — pra não morrer de dor. É preciso um cuidado permanente não só com o corpo mas também com a mente, pois qualquer "baixo" seu, a amada sente — e esfria um pouco o amor. Há que ser bem cortês sem cortesia; doce e conciliador sem covardia; saber ganhar dinheiro com poesia — para viver um grande amor.



É preciso saber tomar uísque (com o mau bebedor nunca se arrisque!) e ser impermeável ao diz-que-diz-que — que não quer nada com o amor.Mas tudo isso não adianta nada, se nesta selva oscura e desvairada não se souber achar a bem-amada — para viver um grande amor.



segunda-feira, 3 de março de 2008

Pedaços do Tempo - Estephania Nogueira




Com as sandálias da alegria
caminhei pedaços de tempo.



E ao começo e ao fim
de cada tempo
teu rosto.



E teu rosto, amado meu,
continua a iluminar
os pedaços de tempo.


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domingo, 2 de março de 2008

Esboço - Gilka Machado




Teus lábios inquietos


pelo meu corpo


acendiam astros...


e no corpo da mata


os pirilampos


de quando em quando,


insinuavam


fosforecentes carícias...


e o corpo do silêncio estremecia,


chocalhava,com os guizos


do cri-cri osculante


dos grilos que imitavam


a música de tua boca...


e no corpo da noite


as estrelas cantavam


com a voz trêmula e rútila


de teus beijos...


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