quarta-feira, 30 de abril de 2008

Amor e Felicidade - Arthur da Távola



Alcançar o amor talvez exija mais renúncia do que alegria e felicidade.
Nem sei se a felicidade pessoal é compatível com o amor. Por que ligar felicidade ao amor?
O amor é sério demais para almejar a felicidade.
A felicidade está sempre ligada a alguma forma de inconseqüência.
A paixão sim faz a gente feliz. Só transar? Melhor ainda.
Assim como é preciso alguma crueldade para viver, assim como há sempre alguma agressão embrulhada em qualquer vitória, também a felicidade precisa de alguma inconseqüência.
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O amor por si, é repleta de "trágicos deveres".
Por isso o amor não está ligado à felicidade.
Os que assim a perseguem, deveriam desistir de amar.
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O amor é um sentimento ligado à lucidez, à renúncia, à compreensões das contradições.
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Amar é ser capaz de viver um sentimento que se misture fundo com a vida, se torne corriqueiro, mal percebido, sem grandeza, sem efeitos extraordinários, emoções particulares ou excitantes.
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Aqui reside, pois, a complicações do amor.
Só se torna visível quando ameaçado acabar.
Só se o descobre quando se supõe nada mais sentir.
Está onde menos se espera.
É profundo, vital, doador, independente de exaltações.
Flui imperceptível, aparece ao sumir.
Pessoas que separam, mesmo livres uma da outra, sentem um vazio, uma perda, um sentimento de possibilidade perdida.
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É preciso muito viver, muito desiludir-se, muito sentir, muito experimentar, muito perder, muito renunciar, para encontrar o próprio amor, guardado não se sabe em que dobra da gente, e muitas vezes nunca descoberto.
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Morrer sem descobrir o próprio amor escondido é freqüente. E terrível.
O que estamos fazendo com o amor que está em nós e diariamente trocamos pelas emoções prazenteiras, pela felicidade inconseqüente, pelas alegrias passageiras?
O que estamos fazendo? O que?
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terça-feira, 29 de abril de 2008

Fragmento XX de Via Láctea - Olavo Bilac



Olha-me! O teu olhar sereno e brando
Entra-me o peito, como um largo rio
De ondas de ouro e de luz, límpido, entrando
O ermo de um bosque tenebroso e frio.

Fala-me! Em grupos doudejantes, quando
Falas, por noites cálidas de estio,
As estrelas acendem-se, radiando,
Altas, semeadas pelo céu sombrio.

Olha-me assim! Fala-me assim! De pranto
Agora, agora de ternura cheia,
Abre em chispas de fogo essa pupila...

E enquanto eu ardo em sua luz, enquanto
Em seu fulgor me abraso, uma sereia
Soluce e cante nessa voz tranqüila!

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segunda-feira, 28 de abril de 2008

Estes os Olhos são da Minha Amada - Cláudio Manuel da Costa


Estes os olhos são da minha amada:
que belos, que gentis, e que formosos!
Não são para os mortais tão preciosos
os doces frutos da estação dourada.
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Por eles a alegria derramada,
tornam-se os campos de prazer gostosos;
em zéfiros suaves, e mimosos
toda esta região se vê banhada.
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Vinde, olhos belos, vinde; e enfim trazendo
do rosto de meu bem as prendas belas
dai alívios ao mal, que estou gemendo:
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mas, ah! delírio meu, que me atropelas!
Os olhos que eu cuidei que estava vendo
eram ( quem crera tal!) duas estrelas.
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domingo, 27 de abril de 2008

Por Pablo Neruda


Amor, quantos caminhos até chegar a um beijo,

que solidão errante até tua companhia!

Seguem os trens sozinhos rodando com a chuva.

Em taltal não amanhece ainda a primavera.

Mas tu e eu, amor meu, estamos juntos, juntos

desde a roupa às raízes, juntos de outono,

de água, de quadris, até ser só tu, só eu juntos.

Pensar que custou tantas pedras que leva o rio,

a desembocadura da água de Boroa,

pensar que separados por trens e nações

tu e eu tínhamos que simplesmente amar-nos

com todos confundidos, com homens e mulheres,

com a terra que implanta e educa cravos.

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sábado, 26 de abril de 2008

Meus Rabiscos ...


Com Você - Renata Christina
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Estar com você é como
irradiar raios solares,
pescar as estrelas do firmamento,
versejar colorido.
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É caminhar com os pés descalços
na relva fresca das emoções,
abraçar as nuvens,
assoprar bolinhas de sabão...
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É voltar a ser criança,
viver intensamente
cada instante como
sendo único...
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É reaprender a gostar,
voltar a planejar,
fechar os olhos e sonhar ...
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sexta-feira, 25 de abril de 2008

Nós - Silva Ramos

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Eu e tu: a existência repartida
Por duas almas; duas almas numa
Só existência. Tu e eu: a vida
De duas vidas que uma só resuma.
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Vida de dois, em cada um vivida,
Vida de um só vivida em dois; em suma:
A essência unida à essência, sem que alguma
Perca o ser una, sendo à outra unida.
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Duplo egoísmo altruísta, a cujo enlevo
No próprio coração cada qual sente
A chama que em si nutre o incêndio alheio.
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Ó mistério do amor onipotente,
Que eternamente eu viva no teu seio,
E vivas no meu seio eternamente.
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quarta-feira, 23 de abril de 2008

O Amor - Matthias Claudius


O Amor, nada o detém:
Não tem porta nem trinco,
Tudo ele vence e vaza.
Sem princípio, bateu
E eternamente bate
Suas eternas asas.
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Trad. Geir Campos
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terça-feira, 22 de abril de 2008

A Mulher que Passa - Vinícius de Moraes


Meu Deus, eu quero a mulher que passa
Seu dorso frio é um campo de lírios
Tem sete cores nos seus cabelos
Sete esperanças na boca fresca!
Oh! como és linda, mulher que passas
Que me sacias e suplicias
Dentro das noites, dentro dos dias!
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Teus sentimentos são poesia
Teus sofrimentos, melancolia.
Teus pelos leves são relva boa
Fresca e macia.
Teus belos braços são cisnes mansos
Longe das vozes da ventania.
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Meu Deus, eu quero a mulher que passa!
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Como te adoro, mulher que passas
Que vens e passas, que me sacias
Dentro das noites, dentro dos dias!
Por que me faltas, se te procuro?
Por que me odeias quando te juro
Que te perdia se me encontravas
E me concontrava se te perdias?
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Por que não voltas, mulher que passas?
Por que não enches a minha vida?
Por que não voltas, mulher querida
Sempre perdida, nunca encontrada?
Por que não voltas à minha vida
Para o que sofro não ser desgraça?
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Meu Deus, eu quero a mulher que passa!
Eu quero-a agora, sem mais demora
A minha amada mulher que passa!
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Que fica e passa, que pacífica
Que é tanto pura como devassa
Que bóia leve como a cortiça
E tem raízes como a fumaça.

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segunda-feira, 21 de abril de 2008

Os Poderes Infernais - Carlos Drummond de Andrade


O meu amor faísca na medula,
pois que na superfície ele anoitece.
Abre na escuridão sua quermesse.
É todo fome, e eis que repele a gula.
,
Sua escama de fel nunca se anula
e seu rangido nada tem de prece.
Uma aranha invisível é que o tece.
O meu amor, paralisado, pula.
,
Pulula, ulula. Salve, lobo triste!
Quando eu secar, ele estará vivendo,
já não vive de mim, nele é que existe
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o que sou, o que sobro, esmigalhado.
O meu amor é tudo que, morrendo,
não morre todo, e fica no ar, parado.
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domingo, 20 de abril de 2008

Distante Amor - Goethe


Eu penso em ti quando o fulgor do sol ardente
reluz do mar;
E penso em ti quando a tranquila fonte
espelha o luar.
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A ti eu vejo da longínqua estrada
entre a turba e pó;
E, alta noite, por tenebrosa senda,
peregrino e só.
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Tua voz me fala entre o fragor da vaga
que vem tombando;
Ou, quando em silêncio, lá na selva erma
te estou escutando.
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Contigo estou, de ti tão longe embora.
'Stás junto a mim!
Já cai o dia... Vêm luzindo os astros ...
Ver-te-ei, enfim?
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Trad. Bastian Pinto.

sábado, 19 de abril de 2008

Amor Descoberto - Adelbert von Chamisso


Quem foi minha senhora,
Que o nosso beijo viu?
A lua? a estrela? a aurora
Quem foi, meu bem, que o descobriu?
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Baixando do alto extremo,
A estrela o disse ao mar
E o mar ao remo e o remo
Ao remador foi contar...
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Pensou na doce amiga
O triste remador:
Fez disso uma cantiga
E foi cantá-la ao seu amor.
Trad. Artur Azevedo
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sexta-feira, 18 de abril de 2008

Por Roberto Shinayashiki




Se, em algum momento da vida, você se sentiu incapaz de realizar um trabalho para o qual estava qualificado; se ficou mudo diante de uma platéia, mesmo sendo conhecedor do assunto; se acordou pela manhã e, sem sintoma algum de doença, sentiu-se apático e sem motivação para levantar-se; se não foi capaz de declarar-se à pessoa que você amava; se teve o desejo de constituir uma família, mas até hoje continua solteiro, provavelmente você já experimentou uma sensação de incapacidade. Pode-se observar duas formas de incapacidade. Na incapacidade fundamentada, existe um impedimento verdadeiro para você atingir seus objetivos. Por exemplo, uma pessoa ama outra, mas esta não corresponde ao sentimento por não estar disponível, ou por não querer, pois já ama alguém. Existe aí um obstáculo real, e não vencê-lo mostra que a incapacidade é real. Continuar insistindo nesse amor é sabotar a possibilidade de encontrar outro amor, é lançar-se na solidão. Outra forma de incapacidade é a imaginária. Ocorre quando a pessoa se julga incapaz de obter algo que, na verdade, lhe seria possível. Por exemplo: alguém se apaixona por uma pessoa que pode corresponder àquele sentimento, porém não consegue declarar o seu amor a ela. Nesse caso, a fantasia cria obstáculos ilusórios e configura uma incapacidade ilusória. É importante saber diferenciar a incapacidade real da imaginária, pois ambas podem existir numa mesma situação. Como no caso do homem cuja mulher estava triste porque o pai adoecera. Ele nada podia fazer para curar o enfermo e, conseqüentemente, para devolver a alegria à mulher.trata.se de incapacidade real. Mas ele podia ouvi-la e oferecer-lhe o ombro para chorar, de maneira que ela pudesse se sentir protegida, apesar de todas as dificuldades. Se o homem não agiu assim e continuou afirmando que nada podia fazer por sua mulher, colocou-se numa situação de incapacidade imaginária, que no fundo demonstrava uma grande falta de coragem de fazer o que estava ao seu alcance. A incapacidade imaginária pode manifestar-se de duas formas: pela supervalorização do outro, de tal maneira que ele é considerado alguém inatingível, ou pela diminuição do nosso potencial, fazendo com que nos sintamos incapazes de receber amor e atenção. O sentimento de rejeição é tão grande nesses casos que impede a aproximação de outra pessoa. Se isso ocorre mesmo havendo amor entre o casal, é porque ambos estão fugindo de algo que os ameaça. Pensando tornar-se seguros através dessas condutas, podem arruinar esse amor. Por que não deixar o parceiro perceber nossas inseguranças? Ninguém é um gigante ou um super-herói. Todo ser humano tem o direito de se sentir incapacitado, inseguro. Na verdade, é preciso armar-se de coragem para reconhecer essas limitações. Faz parte da arte de amar usar bem as opções em favor da sobrevivência do amor. Uma das formas mais poderosas de proteger o amor, numa relação saudável, é permitir que os limites, as inseguranças, os pontos fracos sejam conhecidos pelo parceiro, de modo que ambos possam cuidar para que eles não os prejudiquem. Ameaças e inseguranças ocorrerão sempre, pois ninguém dá cem por cento de garantia a ninguém. Mas, se cada um se conscientizar da forma como pode contribuir para a relação crescer, as ameaças e as inseguranças serão muito menores. A única maneira de esclarecer se nossa capacidade é real ou imaginária consiste em ter coragem de acreditar no amor do outro, ter confiança de que o outro nos amará com nossas limitações reais e nos ajudará a vencer as imaginárias. A essa atitude damos o nome de entrega amorosa.




(texto retirado do livro "Amar Pode Dar Certo")

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quinta-feira, 17 de abril de 2008

A Dama Ausente - Sérgio Milliet



Brilhará a lua que não vejo

nas montanhas de minha terra?

Para que amores na serra

Brilhará a lua que não vejo?

Mais um dia longe, tão longe

que nem mesmo a intuição alcança

os gestos da dama ausente.

As sombras enchem os meus olhos

fechados para o presente.

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Mais um dia longe tão longe

que nem mesmo o amor alcança

os gestos da dama ausente...

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quarta-feira, 16 de abril de 2008

Mal de Amor - Ana Amélia Queirós Carneiro de Mendonça


Toda a pena de amor, por mais que doa,

No próprio amor encontra recompensa.

A lágrima que causa a indiferença

Seca-a depressa uma palavra boa!

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A mão que fere, o ferro que agrilhoa

Obstáculos não são que Amor não vença

Amor transforma em luz a treva densa;

Por um sorriso, Amor tudo perdoa.

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Ai de quem muito amou não sendo amado

E depois de sofrer tanta amargura

Pela mão que o feriu não foi curado...

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Noutra parte há de em vão buscar ventura:

Fica-lhe o coração despedaçado,

Que o mal do Amor, só nesse Amor, tem cura.

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terça-feira, 15 de abril de 2008

Definição amor... amar - Ana Júlia Monteiro Macedo Sança



Amor ternura, amor exaltação
Envolve, domina, entusiasma
Fogueira acesa que se não apaga
E pode terminar numa paixão

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Mas para definir o que é amar
Direi que é dar do coração
Dar tudo sem reserva ou opção
Como só com amor se pode dar.


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segunda-feira, 14 de abril de 2008

Contrição - Múcio Leão



Eu não te mereci. Eras bela e eras pura.

Havia na tua alma um secreto esplendor,

Misto de suavidade, emoção e ternura.

E essa luz era o amor!

Um dia, meigamente, amada peregrina,

Vieste pousar, sorrindo, o teu olhar no meu.

E havia no teu ser uma graça divina,

Um encanto imortal, que logo me prendeu.

Eu pude acreditar, quando chegaste, linda,

Para mim descerrando a mais clara manhã,

Que em tua luz feliz, que em tua luz infinda

Se me abria Canaã.

Perdoa, seu eu, que sou imperfeito, um momento

Ousei volver o olhar à tua perfeição,

Implorando um sorriso ao teu recolhimento,

Implorando um carinho à tua solidão.


Poesias, 1949

domingo, 13 de abril de 2008

Meus Rabiscos ...




Intimidade - Renata Christina
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Corpos entrelaçados
Cumplicidade íntima:
A paz depois do amor.


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sexta-feira, 11 de abril de 2008

Fascínio - Affonso Romano de Sant' Anna


Casado, continuo a achar as mulheres irresistíveis.

Não deveria, dizem.

Me esforço.

Aliás, já nem me esforço.

Abertamente me ponho a admirá-las.

Não estou traindo ninguém, advirto.

Como pode o amor trair o amor?

Amar o amor num outro amor

é um ritual que, amante, me permito.
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quinta-feira, 10 de abril de 2008

O Amor de Agora é o mesmo Amor de Outrora - Dante Milano


O amor de agora é o mesmo amor de outrora

Em que concentro o espírito abstraído,

Um sentimento que não tem sentido,

Uma parte de mim que se evapora.

Amor que me alimenta e me devora,

E este pressentimento indefinido

Que me causa a impressão de andar perdido

Em busca de outrem pela vida afora.

Assim percorro uma existência incerta

Como quem sonha, noutro mundo acorda,

E em sua treva um ser de luz desperta.

E sinto, como o céu visto do inferno,

Na vida que contenho mas transborda,

Qualquer coisa de agora mas de eterno.

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quarta-feira, 9 de abril de 2008

Meus Rabiscos ...


Vestígios - Renata Christina

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Perfume no travesseiro

Fios de cabelo espalhados

Pétalas nos lençóis

Taças de vinho vazias

Velas apagadas

Roupas espalhadas pelo chão

Musicalidade e poesia

Vestígios de uma noite de amor.

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terça-feira, 8 de abril de 2008

Meus Rabiscos ...


Realidade Palpável - Renata Christina

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Pensamentos cúmplices

Olhos que se procuram

Lábios que se buscam

Mãos que se afagam

Realidade palpável:

VOCÊ !!!

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segunda-feira, 7 de abril de 2008

Reconstiuição - Elisa Lucinda


Tive de repente

saudade da bebida que eu estava bebendo...

tive saudade e tentei me lembrar que gosto faltava,

qual era a bebida...

Fui procurando entre copos e móveis

e dei com sua boca.

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A saudade era dela

A bebida era o beijo.

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domingo, 6 de abril de 2008

Agora que Sinto Amor - Alberto Caeiro



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Agora que sinto amor

Tenho interesse no que cheira.

Nunca antes me interessou que uma flor tivesse cheiro.

Agora sinto o perfume das flores como se visse uma coisa nova.

Sei bem que elas cheiravam, como sei que existia.

São coisas que se sabem por fora.

Mas agora sei com a respiração da parte de trás da cabeça.

Hoje as flores sabem-me bem num paladar que se cheira.

Hoje às vezes acordo e cheiro antes de ver.

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sábado, 5 de abril de 2008

Noturno - Henriqueta Lisboa


Meu pensamento em febre
é uma lâmpada acesa
a incendiar a noite.
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Meus desejos irrequietos,
à hora em que não há socorro,
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dançam livres como libélulas
em redor do fogo.

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sexta-feira, 4 de abril de 2008

Eros II - Orides Fontela



O amor não
vê.
o amor não
ouve
o amor não
age
o amor
não.
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quinta-feira, 3 de abril de 2008

Soneto - Mário de Andrade



Aceitarás o amor como eu o encaro ?...

Azul bem leve, um nimbo, suavemente

Guarda-te a imagem, como um anteparo

Contra estes móveis de banal presente.

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Tudo o que há de melhor e de mais raro

Vive em teu corpo nu de adolescente,

A perna assim jogada e o braço, o claro

Olhar preso no meu, perdidamente.

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Não exijas mais nada. Não desejo

Também mais nada, só te olhar, enquanto

A realidade é simples, e isto apenas.

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Que grandeza... a evasão total do pejo

Que nasce das imperfeições. O encanto

Que nasce das adorações serenas.

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terça-feira, 1 de abril de 2008

Da Saudade - Cecília Meireles


A natureza da saudade é ambígua: associa sentimentos de solidão e tristeza – mas, iluminada pela memória, ganha contorno e expressão de felicidade. Quando Garrett a definiu como “delicioso pungir de acerbo espinho”, estava realizando a fusão desses dois aspectos opostos na fórmula feliz de um verso romântico.Em geral, vê-se na saudade o sentimento de separação e distância daquilo que se ama e não se tem. Mas todos os instantes da nossa vida não vão sendo perda, separação e distância? O nosso presente, logo que alcança o futuro, já o transforma em passado. A vida é constante perder. A vida é, pois, uma constante saudade.Há uma saudade queixosa: a que desejaria reter, fixar, possuir. Há uma saudade sábia, que deixa as coisas passarem , como se não passassem. Livrando-as do tempo, salvando a sua essência da eternidade. É a única maneira, aliás, de lhes dar permanência: imortalizá-las em amor . O verdadeiro amor é, paradoxalmente, uma saudade constante, sem egoísmo nenhum.
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