quinta-feira, 27 de março de 2008

Horas Vivas - Machado de Assis


NOITE; abrem-se as flores.

Que esplendores!

Cíntia sonha amores

Pelo céu.

Tênues as neblinas

Às campinas

Descem das colinas

Como um véu.

Mãos em mãos travadas

Animadas,

Vão aquelas fadas

Pelo ar

Soltos os cabelos,

Em novelos

Puros, louros, belos

A voar.

"Homem, nos teus dias

Que agonias

Sonhos, utopias,
Ambições;

Vivas e fagueiras,

As primeiras

Como as derradeiras Ilusões!

Quantas, quantas vidas

Vão perdidas,

Pombas malferidas

Pelo mal!

Anos após anos,

Tão insanos

Vêm os desenganos

Afinal.

Dorme: se os pesares

Repousares.

Vês? —por estes ares

Vamos rir;

Mortas, não; festivas,

E lascivas,

Somos—horas vivas

De dormir. —"

.


Um comentário:

Ricardo de Magalhães disse...

Não adormeças: o vento ainda assobia no meu quarto
e a luz é fraca e treme e eu tenho medo
das sombras que desfilam pelas paredes como fantasmas
da casa e de tudo aquilo com que sonhes.

Não adormeças já. Diz-me outra vez do rio que palpitava
no coração da aldeia onde nasceste, da roupa que vinha
a cheirar a sonho e a musgo e ao trevo que nunca foi
de quatro folhas; e das ervas húmidas e chãs
com que em casa se cozinham perfumes que ainda hoje
te mordem os gestos e as palavras.

O meu corpo gela à míngua dos teus dedos, o sol vai
demorar-se a regressar. Há tempo para uma história
que eu não saiba e eu juro que, se não adormeceres,
serei tão leve que não hei-de pesar-te nunca na memória,
como na minha pesará para sempre a pedra do teu sono
se agora apenas me olhares de longe e adormeceres.



Maria do Rosário Pedreira

adorei o blog.obrigado.