terça-feira, 30 de setembro de 2008

CENTENÁRIO DA MORTE DE MACHADO DE ASSIS

VERSOS A CORINA - MACHADO DE ASSIS
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IV
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Quando voarem minhas esperanças,
Como um bando de pombas fugitivas;
E destas ilusões doces e vivas
Só me restarem pálidas lembranças;
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E abandonar-me a minha mãe Quimera,
Que me aleitou aos seios abundantes;
E vierem as nuvens flamejantes
Encher o céu da minha primavera;
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E raiar para mim um triste dia,
Em que, por completar minha tristeza,
Nem possa ver-te, musa da beleza,
Nem possa ouvir-te, musa da harmonia;
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Quando assim seja, por teus olhos juro,
Voto minha alma à escura soledade,
Sem procurar melhor felicidade,
E sem ambicionar prazer mais puro
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Como o viajor que, de falaz miragem
Volta desenganado ao lar tranqüilo,
E procura, naquele último asilo,
Nem evocar memórias da viagem;
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Envolvido em mim mesmo, olhos cerrados
A tudo mais, — a minha fantasia
As asas colherá com que algum dia
Quis alcançar os cimos elevados.
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És tu a maior glória de minha alma,
Se o meu amor profundo não te alcança,
De que me servirá outra esperança?
Que glória tirarei de alheia palma?
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segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Palavras no Mar - Casimiro de Abreu


Se eu fosse amado!...
Se um rosto virgem
Doce vertigem
Me desse n’alma
Turbando a calma
Que me enlanguece!...
Oh! se eu pudesse
Hoje – sequer –
Fartar desejos
Nos longos beijos
Duma mulher!...
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Se o peito morto
Doce conforto
Sentisse agora
Na sua dor;
Talvez nest’hora
Viver quisera
Na primavera
De casto amor!
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Então minh’alma,
Turbada a calma,
– Harpa vibrada
Por mão de fada –
Como a calhandra
Saúda o dia,
Em meigos cantos
Se exalaria
Na melodia
Dos sonhos meus;
E louca e terna
Nessa vertigem
Amara a virgem
Cantando a Deus!
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quinta-feira, 25 de setembro de 2008

Soneto a Camões - Augusto Frederico Schmidt



As tuas mágoas de amor, teus sentimentos
Diante das leis que regem nossas vidas,
Desses fados que dão e logo tiram,
E a que estamos escravos e sujeitos.
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As tuas dores de amar sem ser amado,
De procurar um bem que não se alcança,
E no canto clamar desesperado
Pelo que nunca vem quando se busca.
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Poeta de enamoradas impossíveis
E que num negro amor desalteraste
Essa sede de amar dura e terrível,
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As tuas mágoas de amor, tuas fundas queixas,
Como uma fonte ficarão chorando
Dentro da língua que tornaste eterna.
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quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Porque te quero - Sirlei L. Passolongo


Não te quero
Por uma razão qualquer
Quero-te porque em tuas mãos
Está minha alma...
Porque em teus olhos
Está a luz dos meus olhos.
Não te quero
Simplesmente por querer
Quero-te porque és o guardião
Do ar que respiro...
Porque levas em teu sorriso
O meu sorriso
Não te quero porque te quero
Quero-te porque sem você
Não vivo.
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terça-feira, 23 de setembro de 2008

Primavera - Florbela Espanca

É Primavera agora, meu Amor!
O campo despe a veste de estamenha;
Não há árvore nenhuma que não tenha
O coração aberto, todo em flor!
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Ah! Deixa-te vogar, calmo, ao sabor
Da vida... não há bem que nos não venha
Dum mal que o nosso orgulho em vão desdenha!
Não há bem que não possa ser melhor!
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Também despi meu triste burel pardo,
E agora cheiro a rosmaninho e a nardo
E ando agora tonta, à tua espera...
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Pus rosas cor-de-rosa em meus cabelos...
Parecem um rosal! Vem desprendê-los!
Meu Amor, meu Amor, é Primavera!...
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sábado, 20 de setembro de 2008

Amor Violeta - Adélia Prado



O amor me fere é debaixo do braço,
de um vão entre as costelas.
Atinge o meu coração é por esta via inclinada.
Eu ponho o amor no pilão com cinza
e grão de roxo e soco. Macero ele,
faço dele cataplasma
e ponho sobre a ferida.
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sexta-feira, 19 de setembro de 2008

Por Camilo Castelo Branco ...


..........A verdade é algumas vezes o escolho de um romance.

..........Na vida real, recebemo-la como ela sai dos encontrados casos, ou da lógica implacável das coisas; mas, na novela, custa-nos a sofrer que o autor, se inventa, não invente melhor; e, se copia, não minta por amor da arte.
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Um romance que estriba na verdade o seu merecimento é frio, é impertinente, é uma coisa que não sacode os nervos, nem a gente, sequer uma temporada, enquanto ele nos lembra, deste jogo de nora, cujos alcatruzes somos, uns a subir, outros a descer, movidos pela manivela do egoísmo.
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A verdade! Se ela é feia, para que oferecê-la em painéis ao público!?
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A verdade do coração humano! Se o coração humano tem filamentos de ferro que o prendem ao barro doente saiu, ou pesam nele e o submergem no charco da culpa primitiva, para que é emergi-lo, retratá-lo e pô-lo à venda!?
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..........Os reparos são de quem tem o juízo no seu lugar; mas, pois que eu perdi o meu a estudar a verdade, já agora a desforra que tenho é pintá-la como ela é feia e repugnante.
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A desgraça afervora ou quebranta o amor?"
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Fonte: CASTELO BRANCO, Camilo. Coisas que só eu sei. Lisboa : Relógio d’Água Editores , 1990. (Clássicos portugueses).
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terça-feira, 16 de setembro de 2008

Fecundação - Gilka Machado




Teus olhos me olham
longamente,
imperiosamente...
de dentro deles teu amor me espia.
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Teus olhos me olham numa tortura
de alma que quer ser corpo,
de criação que anseia ser criatura
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Tua mão contém a minha
de momento a momento:
é uma ave aflita
meu pensamento
na tua mão.
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Nada me dizes,
orém entra-me a carne a persuasão
de que teus dedos criam raízes
na minha mão.
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Teu olhar abre os braços,
de longe,
à forma inquieta de meu ser;
abre os braços e enlaça-me toda a alma.
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Tem teu mórbido olhar
penetrações supremas
e sinto, por senti-lo, tal prazer,
há nos meus poros tal palpitação,
que me vem a ilusão
de que se vai abrir
todo meu corpo
em poemas.
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segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Beijos do Céu - Raimundo Correia

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Sonhei-te assim, ó minha amante, um dia:
- Vi-te no céu; e, anamoradamente,
De beijos, a falange resplendente
Dos serafins, teu corpo inteiro ungia...
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Santos e anjos beijavam-te...Eu bem via
Beijavam todos o teu lábio ardente;
E, beijando-te, o próprio Onipotente,
O próprio Deus nos braços te cingia!
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Nisto, o ciúme - fera que eu não domo
-Despertou-me do sonho, repentino
Vi-te a dormir tão plácida a meu lado...
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E beijei-te também, beijei-te... e, ai! como
Achei doce o teu lábio purpurino.
Tantas vezes assim no céu beijado!
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sexta-feira, 12 de setembro de 2008

Canção para o Grande Amor - Vinícius de Moraes



Despedi o grande amor de mim
Dizendo assim: grande amor
Não se esqueça de voltar
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Porque a dor do amor que teve fim
Que foi ruim, sei que sim
Outro amor há de apagar
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E há de ser sempre assim:
Minha casa aberta
E na mesa posta um talher a mais
Um cinzeiro a mais
E no seu lugar a mesma mulher a esperar
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A mesma mulher pronta pra dizer
Entre, por favor, quando alguém surgir
Quando alguém chegar
Pode ser o amor, pode ser a dor, pode ser
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Preciso ter muitas rosas para receber
O grande amor
Quando for
Sua hora de voltar
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quinta-feira, 11 de setembro de 2008

Coisa Amar - Manuel Alegre



Contar-te longamente as perigosas
coisas do mar. Contar-te o amor ardente
e as ilhas que só há no verbo amar.
Contar-te longamente longamente.
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Amor ardente. Amor ardente. E mar.
Contar-te longamente as misteriosas
maravilhas do verbo navegar.
E mar. Amar: as coisas perigosas.
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Contar-te longamente que já foi
num tempo doce coisa amar. E mar.
Contar-te logamente como doi
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desembarcar nas ilhas misteriosas.
Contar-te o mar ardente e o verbo amar.
E longamente as coisas perigosas.
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quarta-feira, 10 de setembro de 2008

Por Quem Foi que me Trocaram - Fernando Pessoa


Por quem foi que me trocaram
Quando estava a olhar pra ti?
Pousa a tua mão na minha
E, sem me olhares, sorri.
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Sorri do teu pensamento
Porque eu só quero pensar
Que é de mim que ele esta feito
É que tens para me dar.
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Depois aperta-me a mão
E vira os olhos a mim...
Por quem foi que me trocaram
Quando estás a olhar-me assim?
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terça-feira, 9 de setembro de 2008

Indiferença - Guilherme de Almeida




Hoje, voltas-me o rosto, se ao teu lado
passo. E eu, baixo os meus olhos se te avisto.
E assim fazemos, como se com isto,
pudéssemos varrer nosso passado.
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Passo esquecido de te olhar, coitado!
Vais, coitada, esquecida de que existo.
Como se nunca me tivesses visto,
como se eu sempre não te houvesse amado
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Mas, se às vezes, sem querer nos entrevemos,
se quando passo, teu olhar me alcanças
e meus olhos te alcançam quando vais.
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Ah! Só Deus sabe! Só nós dois sabemos.
Volta-nos sempre a pálida lembrança.
Daqueles tempos que não voltam mais!
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sexta-feira, 5 de setembro de 2008

A Dor a Mais - Vinícius de Moraes


Foi só muito amor
Muito amor demais
Foi tanta a paixão
Que o meu coração, amor
Nem soube mais
Inventei a dor
E como ela nos doeu
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Ah, que solidão buscar perdão
No corpo teu
Tanto tempo faz
Tens um outro amor, eu sei
Mas nunca terás
A dor a mais
Como eu te dei
Porque a dor a mais
Só na paixão
Com que eu te amei
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quinta-feira, 4 de setembro de 2008

Por Alice Ruiz



ainda te sinto
em tudo que permanece
como se tua pressa
de vida que se extingue
ficasse um pouco em tudo
ainda
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quarta-feira, 3 de setembro de 2008

Soneto - Cruz e Souza



À Julieta dos Santos
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Quando apareces, fica-se impassível
E mudo e quedo, trêmulo, gelado!...
Quer-se ficar com atenção, calado,
Quer-se falar sem mesmo ser possível!.
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Anda-se c'o a alma n'um estado horrível
O coração completamente ervado!...
Quer-se dar palmas, mas sem ser notado,
Quer-se gritar, n'uma explosão temível!...
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Sobe-se e desce-se ao país das fadas,
Vaga-se co’as nuvens das mansões doiradas
Sob um esforço colossal, titânio!...
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E as idéias galopando voam...
Então lá dentro sem parar, ressoam
As indomáveis convulsões do crânio!!...
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terça-feira, 2 de setembro de 2008

Árias Pequenas. Para Bandolim - Hilda Hilst


Antes que o mundo acabe, Túlio,
Deita-te e prova
Esse milagre do gosto
Que se fez na minha boca
Enquanto o mundo grita
Belicoso. E ao meu lado
Te fazes árabe, me faço israelita
nos cobrimos de beijos
E de flores
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Antes que o mundo se acabe
Antes que acabe em nós
Nosso desejo.
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segunda-feira, 1 de setembro de 2008

Sonho Vago - Florbela Espanca



Um sonho alado que nasceu num instante,
Erguido ao alto em horas de demência...
Gotas de água que tombam em cadência
Na minh’alma tristíssima, distante...
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Onde está ele o Desejado? O Infante?
O que há de vir e amar-me em doida ardência?
O das horas de mágoa e penitência?
O Príncipe Encantado? O Eleito? O Amante?
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E neste sonho eu já nem sei quem sou...
O brando marulhar dum longo beijo
Que não chegou a dar-se e que passou...
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Um fogo-fátuo rútilo, talvez...
E eu ando a procurar-te e já te vejo!...
E tu já me encontraste e não me vês!...
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