quinta-feira, 31 de julho de 2008

Para Não te Esquecer - Helena Kolody


Ontem, vi alguém
que tinha os teus olhos
e voltei a sofrer.
Era como se os tivesse deixado
deste lado
para eu não te esquecer.
.

quarta-feira, 30 de julho de 2008

Canção do Amor Imprevisto - Mário Quintana


Eu sou um homem fechado.
O mundo me tornou egoísta e mau.
E a minha poesia é um vício triste,
Desesperado e solitário
Que eu faço tudo por abafar.
.
Mas tu apareceste com a tua boca fresca de madrugada,
Com o teu passo leve,
Com esses teus cabelos...
.
E o homem taciturno ficou imóvel, sem compreender
nada, numa alegria atônita...
.
A súbita, a dolorosa alegria de um espantalho inútil
Aonde viessem pousar os passarinhos.
.

terça-feira, 29 de julho de 2008

Desejo - Casimiro de Abreu



Se eu soubesse que no mundo
Existia um coração,
Que só por mim palpitasse
De amor em terna expansão;
Do peito calara as mágoas,
Bem feliz eu era então!
.
Se essa mulher fosse linda
Como os anjos lindos são,
Se tivesse quinze anos,
Se fosse rosa em botão,
Se inda brincasse inocente
Descuidosa no gazão;
.
Se tivesse a tez morena,
Os olhos com expressão,
Negros, negros, que matassem,
Que morressem de paixão,
Impondo sempre tiranos
Um jugo de sedução;
.
Se as tranças fossem escuras,
Lá castanhas é que não,
E que caíssem formosas
Ao sopro da viração,
Sobre uns ombros torneados,
Em amável confusão;
.
Se a fronte pura e serena
Brilhasse d'inspiração,
Se o tronco fosse flexível
Como a rama do chorão,
Se tivesse os lábios rubros,
Pé pequeno e linda mão;
.
Se a voz fosse harmoniosa
Como d'harpa a vibração,
Suave como a da rola
Que geme na solidão,
Apaixonada e sentida
Como do bardo a canção;
.
E se o peito lhe ondulasse
Em suave ondulação,
Ocultando em brancas vestes
Na mais branda comoção
Tesouros de seios virgens,
Dois pomos de tentação;
.
E se essa mulher formosa
Que me aparece em visão,
Possuísse uma alma ardente,
Fosse de amor um vulcão;
Por ela tudo daria...
— A vida, o céu, a razão!
.

segunda-feira, 28 de julho de 2008

O Sol nas Noites e o Luas nos Dias - Natália Correira


De amor nada mais resta que um Outubro
e quanto mais amada mais desisto:
quanto mais tu me despes mais me cubro
e quanto mais me escondo mais me avisto.
.
E sei que mais te enleio e te deslumbro
porque se mais me ofusco mais existo.
Por dentro me ilumino, sol oculto,
por fora te ajoelho, corpo místico.
.
Não me acordes. Estou morta na quermesse
dos teus beijos. Etérea, a minha espécie
nem teus zelos amantes a demovem.
.
Mas quanto mais em nuvem me desfaço
mais de terra e de fogo é o abraço
com que na carne queres reter-me jovem.
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domingo, 27 de julho de 2008

Psicórdica - Adélia Prado


Vamos dormir juntos, meu bem,
sem sérias patologias.
Meu amor é este ar tristonho
que eu faço pra te afligir,
um par de fronhas antigas
onde eu bordei nossos nomes
com ponto cheio de suspiros.
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sábado, 26 de julho de 2008

Soneto - Cláudio Manuel da Costa


Pouco importa, formosa Daliana,
Que fugindo de ouvir me, o fuso tomes;
Se quanto mais me afliges, e consomes,
Tanto te adoro mais, bela serrana.
.
Ou já fujas do abrigo da cabana,
Ou sobre os altos montes mais te assomes,
Faremos imortais os nossos nomes,
Eu por ser firme, tu por ser tirana.
.
Um obséquio, que foi de amor rendido,
Bem pode ser, pastora, desprezado;
Mas nunca se verá desvanecido:
.
Sim, que para lisonja do cuidado,
Testemunhas serão de meu gemido
Este monte, este vale, aquele prado.
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sexta-feira, 25 de julho de 2008

Na Rede - Casimiro de Abreu



Nas horas ardentes do pino do dia
Aos bosques corri;
E qual linda imagem dos castos amores,
Dormindo e sonhando cercada de flores
Nos bosques a vi!
.
Dormia deitada na rede de penas
– O céu por dossel,
De leve embalada no quieto balanço
Qual nauta cismando num lago bem manso
Num leve batel!
.
Dormia e sonhava – no rosto serena
Qual um serafim;
Os cílios pendidos nos olhos tão belos,
E a brisa brincando nos soltos cabelos
De fino cetim!
.
Dormia e sonhava – formosa embebida
No doce sonhar,
E doce e sereno num mágico anseio
Debaixo das roupa batia-lhe o seio
No seu palpitar!
.
Dormia e sonhava – a boca entreaberta
O lábio a sorrir;
No peito cruzados os braços dormentes,
Compridos e lisos quais brancas serpentes
No colo a dormir!
.
Dormia e sonhava – no sonho de amores.
Chamava por mim,
E a voz suspirosa nos lábios morria
Tão terna e tão meiga qual vaga harmonia
De algum bandolim!
.
Dormia e sonhava – de manso cheguei-me
Sem leve rumor;
Pendi-me tremendo e qual fraco vagido,
Qual sopro da brisa, baixinho ao ouvido
Falei-lhe de amor!
.
Ao hálito ardente o peito palpita...
Mas sem despertar;
E como nas ânsias dum sonho que é lindo,
A virgem na rede corando e sorrindo...
Beijou-me – a sonhar!
.

quarta-feira, 23 de julho de 2008

O Meu Desejo - Florbela Espanca



Vejo-te só a ti no azul dos céus,
Olhando a nuvem de oiro que flutua...
Ó minha perfeição que criou Deus
E que num dia lindo me fez sua!
.
Nos altos que diviso pela rua,
Que cruzam os seus passos com os meus...
Minha boca tem fome só da tua!
Meus olhos têm sede só dos teus!
.
Sombra da tua sombra, doce e calma,
Sou a grande quimera da tua alma
E, sem viver, ando a viver contigo...
.
Deixa-me andar assim no teu caminho
Por toda a vida, Amor, devagarinho,
Até a morte me levar consigo...
.

sexta-feira, 18 de julho de 2008

Silêncio Amoroso 2 - Affonso Romano de Sant' Anna



Preciso do teu silêncio
cúmplice
sobre minhas falhas.
Não fale.
Um sopro, a menor vogal
pode me desamparar.
E se eu abrir a boca
minha alma vai rachar.
O silêncio, aprendo,
pode construir. É um modo
denso/tenso
- de coexistir.
Calar, às vezes,
é fina forma de amar.
.

terça-feira, 15 de julho de 2008

Corpo Adentro - Marina Colasanti


Teu corpo é canoa
em que desço
vida abaixo
morte acima
procurando o naufrágio
me entregando à deriva.
.
Teu corpo é casulo
de infinitas sedas
onde fio
me afio e enfio
invasor recebido
com licores.
.
Teu corpo é pele exata para o meu
pena de garça
brilho de romã
aurora boreal
do longo inverno.
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segunda-feira, 14 de julho de 2008

Por Guimarães Rosa ...


"Só se pode viver perto de outro, e conhecer outra pessoa,
sem perigo de ódio, se a gente tem amor. Qualquer amor já é um pouquinho
de saúde, um descanso na loucura".
.

domingo, 13 de julho de 2008

É Ela! É Ela! É Ela! - Manuel Antônio Álvares de Azevedo


É ela! É ela! - murmurei tremendo,
E o eco ao longe murmurou - é ela!
Eu a vi... minha fada aérea e pura -
A minha lavadeira na janela!
.
Dessas águas-furtadas onde eu moro
Eu a vejo estendendo no telhado
Os vestidos de chita, as saias brancas;
Eu a vejo e suspiro enamorado!
.
Esta noite eu ousei mais atrevido
Nas telhas que estalavam nos meus passos
Ir espiar seu venturoso sono,
Vê-la mais bela de Morfeu nos braços!
.
Como dormia! Que profundo sono!...
Tinha na mão o ferro do engomado...
Como roncava maviosa e pura!...
Quase caí na rua desmaiado!
.
Afastei a janela, entrei medroso...
Palpitava-lhe o seio adromecido...
Fui beijá-la... roubei do seio dela
Um bilhete que estava ali metido...
.
Oh! de certo... (pensei) é doce página
Onde a alma derramou gentis amores;
São versos dela... que amanhã de certo
Ela me enviará cheios de flores...
.
Tremi de febre! Venturosa folha!
Quem pousasse contigo neste seio!
Como Otelo beijando a sua esposa,
Eu beijei-a a tremer de devaneio...
.
É ela! É ela! - repeti tremendo;
Mas cantou nesse instante uma coruja...
Abri cioso a página secreta...
Oh! Meu Deus! Era um rol de roupa suja!
.
Mas se Werther morreu por ver Carlota
Dando pão com manteiga às criancinhas
Se achou-a assim mais bela - eu mais te adoro
Sonhando-te a lavar as camizinhas!
.
É ela! É ela! meu amor, minh'alma,
A Laura, a Beatriz que o céu revela...
É ela! É ela! - murmurei tremendo,
E o eco ao longe suspirou - é ela!
.

sábado, 12 de julho de 2008

Canção de Inverno - Mário Quintana


"Pinhão quentinho!
Quentinho o pinhão!"
(E tu bem juntinho
Do meu coração...)
.

sexta-feira, 11 de julho de 2008

Para que Fiques - Lya Luft


A certeza vela atrás de
um muro
ou dorme num poço
onde nada se escuta ou avista.
.
Sempre que partes, morro
um pouco
por não saber se retornas.
Minhas mãos doem de
tanto abrir-se
para que vás tranquilo.
Só assim hás de querer
estar comigo:
sem que eu insista.
.
(Fingir que te deixo
livre é um jeito
egoísta de te amar).
.

quinta-feira, 10 de julho de 2008

A Teus Mimosos Pés ... - Manuel du Bocage


XVIII
.
A teus mimosos pés, meu bem, rendido,
Confirmo os votos, que a traição manchara;
Fumam de novo incensos sobre a ara
Que a vil ingratidão tinha abatido.
.
De novo sobre as asas de um gemido
Te of´(e)reço o coração, que te agravara;
Saudoso torno a ti, qual torna à cara
Perdida pátria o mísero banido.
.
Renovemos o nó por mim desfeito,
Que eu já maldigo o tempo desgraçado
Em que a teus olhos não vivi sujeito;
.
Concede-me outra vez o antigo agrado;
Que mais queres? Eu choro, e no meu peito
O punhal do remorso está cravado.
.

quarta-feira, 9 de julho de 2008

Aspiração - Carlos Drummond de Andrade


Tão imperfeitas, nossas maneiras
de amar.
Quando alcançaremos
o limite, o ápice
de perfeição,
que é nunca mais morrer,
nunca mais viver
duas vidas em uma,
e só o amor governe
todo além, todo fora de nós mesmos?
.
O absoluto amor,
revel à condição de carne e alma.
.

terça-feira, 8 de julho de 2008

Não Sei se é Amor que Tens - Ricardo Reis


Não sei se é amor que tens, ou amor que finges,
O que me dás. Dás-mo. Tanto me basta.
Já que o não sou por tempo,
Seja eu jovem por erro.
Pouco os deuses nos dão, e o pouco é falso.
Porém, se o dão, falso que seja, a dádiva
É verdadeira. Aceito,
Cerro olhos: é bastante.
Que mais quero?
.

quinta-feira, 3 de julho de 2008

Eterno Sonho - Cruz e Souza


Talvez alguém estes meus versos lendo
Não entenda que amor neles palpita,
Nem que saudade trágica, infinita
Por dentro deles sempre está vivendo.
.
Talvez que ela não fique percebendo
A paixão que me enleva e que me agita,
Como de uma alma dolorosa, aflita
Que um sentimento vai desfalecendo.
.
E talvez que ela ao ler-me, com piedade,
Diga, a sorrir, num pouco de amizade,
Boa, gentil e carinhosa e franca:
.
— Ah! bem conheço o teu afeto triste...
E se em minha alma o mesmo não existe,
É que tens essa cor e é que eu sou branca!
.

quarta-feira, 2 de julho de 2008

Tarde de Música - Florbela Espanca


Só Schumann, meu Amor! Serenidade...
Não assustes os sonhos... Ah!, não varras
As quimeras... Amor, senão esbarras
Na minha vaga imaterialidade...
.

Liszt, agora, o brilhante; o piano arde...
Beijos alados... ecos de fanfarras...
Pétalas dos teus dedos feito garras...
Como cai em pó de oiro o ar da tarde!
.
Eu olhava para ti... “É lindo! Ideal!”
Gemeram nossas vozes confundidas.
- Havia rosas cor-de-rosa aos molhos –
.
Falavas de Liszt e eu... da musical
Harmonia das pálpebras descidas,
Do ritmo dos teus cílios sobre os olhos...
.